terça-feira, 20 de março de 2007

Sinal Vermelho

(Solavanco, daqueles de quando se passa a marcha errada)

- Passa a marcha, filho!

- Caralho, mãe, assim tu não me deixa dirigir direito! Calma!

Ele já tinha a carteira havia tempo, e esse era o problema. A mãe teimava em não dar as chaves do carro pra ele já havia um ano... ou seriam dois? Sempre, era sempre a mesma conversa furada. Dizia estar preocupada, achar que o filho não conhecia bem o trânsito da cidade, os nomes das ruas e tudo o mais; mal sabia ela que ele já havia dirigido o carro dos amigos, estivessem as ruas lotadas ou vazias, estivesse ele bêbado, chapado ou os dois... nem lembrava da última vez que chegara em casa sem ser carregado. E a coitada da mãe achando que ele vivia de táxis, caronas e Smirnoff Ices devidamente contados...

O sinal abriu. Dobraram pela décima vez na Doca. Ela queria ver se ele sabia medir bem a distância entre os carros, postes e calçadas, pegar a faixa certa p´ra fazer aquela merda de curva que tem no começo da avenida (quem foi o jumento que projetou aquilo?!?), etc e tal... e ele, ele só queria mesmo era pegar o carro à noite e levar a namorada para o drive-in. Coisa de jovem. Conforme a mãe, tadinha, ia ganhando confiança no filho, o papo dentro do carro ia fluindo mais sossegado:

- E aí, meu filho? Como andam seus amigos? Nunca mais vi o Joílson!

Joílson era o traficante do grupo. Conseguia LSD, maconha e Marlboros mentolados para todo mundo. Uma vez dirigia seu carro - a "Máquina do Mistério", uma Kombi verde-limão, cheia de camisinhas usadas, papéis de seda e seringas encardidas - pela Pedro Álvares Cabral, a 130Km/h, quando por acaso passou a marcha errada. O carro desguiou, rodopiou, e o bando de junkies só fazia rir lá dentro, até o carro dar de frente com a estátua da Belém Importados. Perda total, mas nenhum ferido. No outro dia, acordou na Unimed com um soro enfiado no braço e nunca - nunca - mais ouviu falar do Joílson. Os seus pais e os do figura estavam viajando e nada ficaram sabendo.

- Ah, mãe... disque ele ia se mudar pra fazer faculdade em Sampa, né? Ele sempre quis estudar na Unicamp...

- Ah, tá... poxa, encontrei com a mãe dele dia desses na rua e acho que ela nem me viu!

- É, ela é meio distraída mesmo!

Sua mãe, assim como a mãe de todos seus amigos, tomava Prozac, Rivotril, Topamax e todos os Tarjas-Pretas da farmácia como se fossem tic-tac; era a moda do momento, sentir um minutinho de tristeza e tomar aquele monte de remédios controlados como se fossem passaportes para outra vida. Mal enxergavam um palmo à sua frente, faziam análise com o personal-trainer da academia e se masturbavam juntas no banheiro da AP. Escapismo total. Queriam viver segundos de êxtase, longe da família, dos filhos e do trabalho maçante, longe do mundo e da chatice inerente ao matrimônio...

Ah, se ela soubesse que ele também já estava de saco cheio daquela merda toda, daquela hipocrisia com ares provincianos; se ela sequer pensasse na quantidade de vezes em que ele já ralou aquelas pílulas para cheirar pó no banheiro, no número de provas que ele já comprou na Unama, no número de vezes que já bateu o carro dos outros, em todas as drogas que ele já experimentou, na quantidade de mulheres, homens e transexuais que ele já fodeu e pelos quais foi fodido, na overdose de ontem à noite e...

(Freios súbitos e buzinas frenéticas)

- Porra, Júnior, olha direito pro trânsito, cacete!

Só arranhou um pouco da lateral do carro mas foi o suficiente para de uma vez por todas o aidético-junkie fodido disfarçado de menino de família mandar um cotoco para a senhora do carro vizinho e engatar a quinta e enfiar o carro num poste e dar tchau-tchau pr´aquela merda de vida bandida que vivia estragando às escondidas.