sábado, 28 de abril de 2007

Seis

Um grupo de amigos se reúne, às dez horas da noite de um sábado modorrento, meio que procurando com o que se ocupar. Em uma cidade como a deles, realmente não há muito o que se fazer: ou você aluga filmes e fica em casa pensando na vida, ou vai para as boates “badaladas” do momento e fica escutando um funk sexualizado qualquer enquanto revira alguns Birinights. O problema é que os seis, esses seis de sempre, não estavam a fim nem de um nem de outro. Queriam novidade.

Muita divagação, combos do McDonalds e alguns cigarros fumados depois, decidiram ir para um bar que nunca haviam freqüentado antes – pra quê dizer o nome dele? –, afinal, “vai lá que alguma novidade ainda exista por trás dessa cidadezinha de merda, né?”. Acharam o bar – era uma casa da Cidade Velha, reformada e convertida num nightclub com requintes vitorianos. Bonitinho. Entraram no bar. Pediram a primeira rodada de alcoólicas. E o papo começou a fluir.

A casa, antes vazia, começava a aglomerar uma massa cada vez maior de homens e mulheres, enquanto os amigos trocavam piadas, entretiam-se com as trapalhadas de um e brincavam com a sexualidade do outro. Mal perceberam que, pouco a pouco, o lugar lotava, e aquele DVD da Madonna que passava tornava-se cada vez menos audível.

- Eras, a Madonna era muito doida naquela época, né?

- Mas vocês já ouviram o novo cd dela? A voz dela foi ficando cada vez melhor...

Divagação, divagação, divagação. Boate cheia, garrafas de cervejas e drinks arroxeados e esverdeados chegavam à mesa, engolidos calmamente pelos rapazes e moças ali presentes. O sábado, antes razão de desespero e melancolia (“não tem porra nenhuma p´ra fazer hoje!”), estava se convertendo em uma noite deliciosa, regada a muito papo lisérgico e considerações pseudo-filosóficas. Isso até um deles olhar p´ro lado e ver dois homens se beijando.

- Êêê, caralho! Tem homem se beijando aqui!

- Sim, e tu não sabias que aqui era GLS?!?

Pelo visto, não. Uma parcela considerável dos casais dali era composta por duplas homossexuais; na verdade, héteros eram minoria, comprovando aquele negócio de que, para você se sentir diferente, basta estar no lugar “errado”, na hora “errada”. Naquele barzinho, num fim de mundo qualquer, num sábado modorrendo como qualquer outro, estranhos eram normais e normais eram estranhos. O problema é que os seis, aqueles seis de todo santo sábado, sabiam muito bem que era melhor andar juntos por ali. Eram estranhos.

Alguns deles, visivelmente mais porras-loucas, não se assustaram nem um pouco com o que viam; aproveitaram a chance para conhecer aquele meio que tanto era abominado. Descobriram que todos, todos estavam errados: o mundo estava todo errado! Aquela gente cantava as músicas junta, dançava coladinha ao som de Cássia Eller e Marina Lima, trocava beijos com carinho, conversava sobre política e pagava a conta antes de ir embora, igualzinho ao povo dito “normal”. Tudo bem que uns se empolgavam e iam juntos ao banheiro e tudo, mas isso é produto de outro tipo de preconceito.

Enfim. Papo vai e papo vem, os seis começam a se espalhar pelo lugar. Uns ficam putos, levam cantadas de gays e vão embora. Outros dão risadas, divertem-se com a diferença do ambiente e vão para casa ainda mais felizes. Ainda mais héteros. E essa é graça de andar entre amigos: cada um aprende a lição à sua maneira. E os seis, aqueles seis de todo santo sábado, logo combinarão de ir de novo no pub belle-epoquiano onde os “normais” são estranhos e os “estranhos” são normais... quer apostar?

sexta-feira, 20 de abril de 2007

Cotidiano

Belo dia, ele acordou com uma presença estranha ao seu lado. Há anos não sentia a respiração de alguém batendo em sua nuca, ou mesmo dedos entrelaçados aos seus por debaixo do lençol. Eram cerca de quatro da manhã, e, lá fora, alguns bêbados gritavam para o nada enquanto entornavam doses de cachaça no bar do Aldo. Ele precisava acordar lá pelas 5, estaria na fábrica às sete e ah!, se um dia chegasse atrasado. Nem que os metrôs parassem, nem que aquela São Paulo ufânica e fumacenta explodisse em um atentado megalômano, nem que acordasse preso em algum quartel militar; ele batia ponto às sete, e produzia latarias de carros até as seis da tarde. Sem direito a réplica.

Com o rosto virado para a parede, ainda pensando no dia cansativo que teria pela frente, lembrou que alguém - ainda - dormia ao seu lado. Mas como, como diabos aquela pessoa fora parar ali? Tudo o que lembra é que saíra com os amigos algumas horas antes, tomara algumas cervejas e, por volta de uma da manhã, já dormia sereno. Já havia acontecido isso algumas vezes, mas... ao menos ele lembrava do sexo, da gritaria que incomodava os vizinhos, do ranger dos assoalhos e paredes e dentes encardidos. Principalmente, recordava do aroma das dezenas de mulheres fáceis com as quais se deleitava toda primeira sexta-feira do mês - quando o salário permitia. Daquela vez, não havia cheiro, não sentia-se cansado dos movimentos, não estava suado. Sentia apenas aquela presença, peso a mais no colchão seboso, vez ou outra mexendo-se e tossindo de leve.

Estava tão assustado que o sol começava a se insinuar na janela do outro lado, e ele permanecia fingindo dormir. Eram quase seis! Dali a pouco teria que levantar, e que fosse o que Deus quisesse. Se fosse uma mulher feia, desconversaria com um bilhetinho deixado na mesa da sala; se fosse aquela droga de viúva carente do apartamento ao lado, chutaria para fora mesmo! Pelo toque das mãos, parecia ser gorda. A respiração era um pouco forte, provavelmente uma lavadeira fumante ou algo assim. O problema dos bêbados era justamente esse: o de ignorar completamente o juízo estético, vulgo bom-senso. Mas o radinho despertador seria sua redenção... a música-tema de todas as manhãs, Veloso, Gil ou Chico Buarque, quando a censura permitia, tocaria dali a uns dez minutos! E o ser dorminhoco ao seu lado ia acordar, querendo beijos calientes e mais uma foda antes do trabalho. Não dava tempo; melhor levantar logo, Josival!

Levantou. Ainda olhando para a parede, caminhou na ponta dos pés até a porta do quarto e, coração acelerado, virou-se para o recinto tipicamente proletário da década de 60. Uma cama, uma mesinha cheia de contas a pagar e um pôster do Chico escondido atrás da tevê. O lençol cobria quase que totalmente a pessoa deitada. Como ela era grande! Ainda tentando manter o silêncio fúnebre, foi até a beira da cama e puxou o lençol com toda a cautela possível, essa que todo brasileiro tinha nas horas difíceis. E viu. E o radinho tocou.

"Todo dia ela faz tudo sempre igual, me sacode às seis horas da manhã..."

- O que é isso, caralho?!?

Deu um grito, chutou a armação da cama, deu um soco na cara do seu Aldo e correu de pijama para as ruas. E nunca mais voltou p´ra casa.

segunda-feira, 9 de abril de 2007

Blue Monday


“O lazer é um conjunto de ocupações às quais o indivíduo pode entregar-se de livre vontade, seja para repousar, seja para divertir-se, recrear-se e entreter-se, ou ainda, para desenvolver sua informação ou formação desinteressada, sua participação social voluntária ou sua livre capacidade criadora após livrar-se ou desembaraçar-se das obrigações profissionais, familiares e sociais.” (Joffre Dumazedier, 1976)

Ando meio sem inspiração para escrever esses tempos. Dizem que um bom cronista, escritor ou seja lá o que for, tem como matérias-primas sua própria experiência e sua imaginação; viaja dentro da sua cabeça, por vezes aliando um pouco do que vivencia enquanto escreve seus "filhos" - devidamente salvos em Word. O problema é que, ultimamente, não acho que esteja vivenciando muita coisa além das escadas do meu prédio e das paredes verdes da Unama. Imaginando, menos ainda.

É claro, nem tudo se resume a escrever. Tenho que estudar, fazer academia, estudar, dormir, cuidar do gato e do cachorro, estudar, procurar estágio... mas e o entertaining? Aonde fica ele? Há quem diga que essa ladainha pós-moderna seja coisa da maioridade, ou mesmo do excesso de reflexão. Para mim, porém, é muito mais do que isso. O problema é a auto-exigência, o problema são as 24 horas apertadas e tudo o que a gente pode ou deve fazer nelas.

Nada é mais melancólico do que essa vida absorta em responsabilidades, obrigações, paradas de ônibus e cigarro. E, perdoem os yuppies, sortudos eram os gregos, que tinham o dia inteiro p´ra beber, transar e pensar no cosmo. Às vezes a gente não tem tempo nem para pensar na vida que leva... que o diga buscar inspiração para escrever! Dá uma vontade tremenda de sentar e passar um dia inteiro dormindo, pegando faltas nas trocentas aulas que vou ter, quebrando a expectativa de trocentas pessoas que esperam tudo e mais um pouco da nossa inesgotável energia. Mas enfim... a gente precisa garantir o futuro, né?

Pois é, já passa de meio-dia e eu nem almocei; ainda não tomei banho, nem arrumei minhas coisas. Atrasei meu dia inteiro por quinze minutos de escrita (des)interessada! Por isso que digo e repito: pensar demais é decadência...