domingo, 20 de julho de 2008

Someday, for old times´ sake


Memória auditiva é um negócio bem legal. Dia desses estava comentando isso com alguns amigos, e cheguei à conclusão de que ah, havia de existir alguma música que brincasse com a metalinguagem e falasse, exatamente, disso. Bom, há uma penca de músicas que falam de nostalgia, saudade e coisas do tipo, então tive de apertar o filtro: que tal, então, uma musiquinha inocente, que tivesse melodia, letra e interpretação - tudo, enfim, da "cabeça" aos "pés" - focalizadas na nostalgia auditiva? Foi fácil: pensei na primeira música que me faz pensar em pensamentos antigos sobre música. Parece complicado, mas tudo isso me levou à música "Someday", dos Strokes.

Esqueça as blusinhas listradas, o hype, o Casablancas e seu ar pseudobêbado nova-iorquino e tudo o mais - concentre-se na música. Se você tentar pôr "Someday" no Google, verá, também, uma música do Nickelback. Esqueça, estou falando da homônima, mas dos Strokes. Os "bivôs" do indie (sim, vovô é o Franz Ferdinand), mas que, de fato, fazem um som muito gostoso de ouvir. Até hoje, o "Is this it?" é meu CD de cabeceira. Só ele. Até gosto dos outros, mas esse é o mais espontâneo, bobinho, sujo. E é isso que lembra a minha adolescência - e, por extensão, minha cultura musical à época. E faz reluzir a tal da memória auditiva nos fones de um recém-comprado aparelho de MP3.

Estava em Salinas, a trabalho, cobrindo um monte de eventos, acontecimentos policiais, enfim, tudo o que um repórter inexperiente e estranhamente escalado aos grandes fardos estremece ao ver à frente. Estava deitado no carro do jornal, voltando da praia, e, do nada, essa musiquinha me veio à mente. Estava conversando com um amigo dos tempos de 14, 15 anos de idade, e lembramos da primeira vez em que me apresentei com uma banda. Era guitarrista e vocalista, tinha, na minha Fender Stratocaster ultra-adulterada comprada a 600 reais num buraco, o caminho para um suposto auto-conhecimento artístico - e, à época daquele showzinho, eu, meu amigo lá da praia e outros dois grandes amigos vivíamos os melhores dias de nossa vida musical.

"Someday". Foi um monte de ensaios. Havia quem achasse mais apropriado tocar outra, afinal, o repertório tinha uma do Beatles, uma dos Stones, outra do Oasis (a meu pedido) e... The Strokes. A tal bandinha do hype. Mas ah, esqueçamos o hype, devo ter falado à porta de algum dos estúdios nos quais ensaiávamos, após fazer uma insuportável prova de Química no colégio Nazaré. Eles são bons, cara, bora tocar eles!, sempre enfatizava. Tocamos. Minhas pernas tremiam, meus dedos, minha voz, estava todo repleto de nervosismo. Mas, quando subimos nós quatro ao palco e começou o show - abrimos com "Someday" -, todo mundo olhou diferente.

O começo da música é gostoso, doce. Uma seqüência até meio óbvia de Lá - Si Menor - Ré - Lá, acompanhada de um riff agudo e um baixo quadrado, uma batida bem 60´s, duas voltas e entra o vocal "fofinho", mas bebum, do Casablancas. Uma letra saudosa ("In many ways you´ll miss the good old days/ someday, someday/ yeah, it hurts to say, but i want you to stay/ sometimes, sometimes"), refrão bem simples. E aí tudo volta, com uma leve pausa e um duo de bateria e do baixo que funciona bem ao vivo. Não sei por quê, pensava, essa música tem algo de especial. Algo que me refrescava os sentidos, algo que adorava sentir quando estava bêbado, quando estava chapado, com sono, puto, cansado, até me masturbando ou pensando na vida. Ouvi ela, a música, incessantemente, por meses e meses e, de repente, parei.

Tudo isso coincidiu com uma horrível nota 3,5 que tirei em Matemática, com a época em que parei (pela primeira vez) de fumar, com a época em que eu e aqueles inesquecíveis amigos nos separamos pelos motivos mais sérios e banais possíveis - um deles, do qual era mais próximo, viajou, e fiquei meio que sem um amigo com quem dividir tudo por um bom tempo - mas, agora, nessa última semana, tudo voltou à tona na minha cabeça. Mas voltou com um prazer maravilhoso, não com aquela tristeza insuportável que nos acomete quando algo faltou acontecer.

Sei lá. Tanta coisa mudou, todo mundo seguiu caminhos distintos, minhas companhias, minha vida virou de cabeça para cima (?). Continuo um pouco acima do peso, continuo preguiçoso, instintivo, impulsivo, claustrofóbico, ainda tenho épocas certas de escrever e outras de ler (não leio um livro há meses), mas certamente mudei de algum jeito. "Someday" não. Ela voltou ao meu MP3 e ao meu bate-papo com as melodias inabaladas - tudo a partir de um bate-papo com um velho amigo na praia, como que para me lembrar de tudo, desde aquele show até o dia em que passei no vestibular. Em que entrei em um estágio legal. No qual fui contratado. Devido ao qual viajei para Salinas faz uns dias.

Voltemos à memória auditiva. Por que, para mim, "Someday", até hoje, representa essa época em que tudo o que queria era ter uma boa banda e adulterar meus boletins? Porque ela é simples, gostosa, saborosa aos ouvidos e à voz - desce e sobe a garganta com facilidade, não exige grandes instrumentistas e cantores para se fazer ouvida sob outra roupagem. Qualquer roupa ou guitarra vagabunda lhe cai bem. Como a juventude, como nós àquela época, bobos, fáceis de conviver, simples. Diferentes sob um viés mais, digamos extrínseco (essa palavra existe?) e apegado à cronologia natural das fases mentais.

O por quê deste pequeno grande devaneio, ainda estou por descobrir. O por quê do flashback não-intencional, do rompante de memória auditiva em meio a uma tarde quente, insuportavelmente quente e cansativa, tarde/noite de trabalho, também nunca vou saber. Só sei que estava interessado em atualizar este blog o quanto antes, por algum motivo que hemos de descobrir, eu e você, um dia. Talvez porque ele seja o caminho, em letras, aos meus frágeis tempos cósmico-poéticos (o arquivo está aí ao lado, é só clicar), talvez porque simplesmente o quisesse, talvez porque simplesmente "Someday" seja uma música a ser explicada e lembrada pelo resto de minha vida, por mim, por minha esposa e meus filhos. Por meus amigos, também, só de ouvi-la hei de lembrar deles. Simples assim.

Tudo isso veio em cerca de dez minutos de digitação rápida e institiva. Deu para ouvir "Someday", neste meio tempo, três vezes e meia. A memória auditiva - essa, sim - deve perdurar por mais um tempinho aqui. E eu agradeço por tê-la a meu lado todos os dias. Não importando onde/como/quando eu esteja. É meu know-how interno.


(Quanto à foto, juro que não há nada de simbologias ou alusões. Foi a primeira não-ligada a outras coisas quando digitei no Google... adivinhe?)