quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Falem mal, mas tenham referência


Uma das coisas que ainda surpreende muito quem visita ou acaba de se mudar para São Paulo é o alto índice de resmungos dos moradores sobre o transporte público daqui. Pegue um táxi, puxe papo com o vendedor, o padeiro, o vizinho, o colega de faculdade: em cinco minutos, o cara vai começar a soltar suas (aparentemente infundadas) loucuras:

- O metrô daqui é um lixo, cara! Não serve para nada, nem tenta usar...

- Os corredores de ônibus são uma porcaria, os ônibus são malcuidados...

Uma explicação para os caras: nós, que viemos de regiões como a Norte – que nem sonha em ter transporte decente sobre trilhos ou faixa exclusiva para circulação de ônibus –, nos conformamos com qualquer coisinha que nos aparece à frente. E aí o metrô, os trens e os corredores viários de São Paulo, que estão entre os mais limpos e eficientes do mundo, parecem presente divino.

Fato: eles não o são, porque não comportam a demanda de uma cidade que subiu no ranking e hoje é uma das maiores do globo (esperemos o novo censo do IBGE...), com uma extensão metroferroviária que seria confortável numa cidade com as dimensões de Natal (RN). O que não lhes tira seu caráter exemplar, deixe-se bem claro.

Projetado e ampliado a passos de cágado desde os anos 1970, o metrô de São Paulo é uma lindeza só aos olhos de nós, leigos de classe média. Seus vagões são limpos, organizados; as estações não fedem a mijo, os funcionários são educados, o intervalo entre trens é mínimo (o da linha 3 – Vermelha, a mais lotada do mundo, é, ironicamente, um dos menores do mundo), não há assaltos nas estações e, sinceramente, ele leva para uma porção relevante (porém, não suficiente) da cidade.


O problema é quando os 21 milhões de moradores da cidade resolvem sair do trabalho e ir para casa. Aí começa o espetáculo acima que o turista não vê: gente desmaiando nos corredores subterrâneos abafados da Luz, gente caindo nos trilhos da Sé, gente se empurrando dentro do vagão na primeira estação da linha, escada rolante desligada e barras de ferro instaladas nas plataformas pra evitar acidentes... funcionários com megafones pedindo para ninguém se espremer nas portas e, assim, impedir o embarque; gente mordendo gente, gente acotovelando gente. É uma festa dantesca, uma cena de pura esquizofrenia urbana para a qual, sinceramente, não convido ninguém.

Com suas dimensões fascinantes, São Paulo tem apenas três linhas de metrô operando pra valer. A 1 – Azul, muito antiga e que passa perto da minha casa, liga a zona norte à sul e é, hoje, a que interliga os principais centros comerciais, financeiros e residenciais da cidade. Dependendo do horário e do trecho, é um percurso tranquilo, eficiente, “pau para toda obra” – e que, graças a Deus, raramente dá problema.

A linha 2 – Verde – que, na verdade, foi a terceira a ser inaugurada, já nos anos 1990 – é a “turistex line”, algo como a Circle, de Londres. Trens com ar-condicionado, estações com obras de arte e um cheirinho de lavanda nas plataformas de embarque são a marca do antigo “ramal Paulista”, que só recentemente foi concluído e começou a servir como meio de transporte para a populosa zona leste (via Vila Prudente) e até para os ricaços do Sumaré . Apesar de confortável em boa parte do dia e útil para quem mora/trabalha na região da Paulista, é insuportável nas horas de pico – talvez seja a segunda pior.

E temos a dramática, a caótica, a famigerada e excessivamente malvista linha 3 – Vermelha. Rápida (intervalo de trem de menos de 100 segundos) e extremamente útil, vai desde o terminal da Barra Funda, na zona oeste, até Itaquera, no eixo leste. Na teoria, é linda. O problema é o fluxo: quase a população de Belém passa por seus vagões diariamente. É por isso que qualquer blusinha presa na porta gera o caos em toda a linha, como a gente viu em setembro passado (tava no metrô no dia e não me orgulho disso).

Projetos pra expandir o traçado de meros 60 e poucos quilômetros que as linhas somam tem de sobra. A linha 4 – Amarela, cujas obras abriram uma cratera em 2007 em pleno largo de Pinheiros, já foi inaugurada. Tem, no entanto, só duas (DUAS) estações até agora, sendo que uma delas é, na verdade, conexão com a linha 2, e só funciona das 9h às 15h, de segunda a sexta-feira. Quando ficar pronta, no dia de São Nunca, vai ligar a estação da Luz até a Vila Sônia, quase em Taboão da Serra – aí, sim, servirá para alguma coisa, e será tão superlotada quanto as demais (1 milhão de usuários/dia) linhas, integrando-as plenamente. Abaixo, foto do novo modelo de trem (sem condutor) adquirido para rodar em seus trilhos:


Outra “promessa” que saiu do papel, mas ainda não mostrou a que veio, é a linha 5 – Lilás, cuja expansão foi retomada recentemente. Inaugurada em 2002, a bichinha só tem 8 km de extensão e liga, nas palavras de quem realmente a usa, “o nada a lugar algum” – do Capão Redondo até Santo Amaro. Na verdade, é um caminho de extrema relevância, só que a linha simplesmente não se integra à rede de metrô (só liga à linha 9 da CPTM, que por sua vez segue até Osasco para, aí sim, ter conexão com linhas que levam ao centro da capital).

Quem usa a linha 5 precisa descer e pegar ônibus pra chegar ao centro. Resultado? Em oito anos, nunca cumpriu sua demanda; vive às moscas, até em horário de pico, mesmo sendo bonitona e moderna. Quando você ler por aí que o bilhete da dela é dez centavos mais barato que o do resto da rede, pense bem nos motivos.

Quando pronto, o traçado final vai seguir por 20 km até a Vila Mariana, na zona sul, com conexão às linhas 1 e 2, passando por áreas populosas e comerciais como Moema, Campo Belo e Brooklin; aí, sim, vai ser realmente um transporte de massa, com uns 900 mil passageiros diários e opções para uma penca de lugares. Minha visão de leigo: ela, com suas estações situadas na nova zona “nova-rica” de SP, vai desafogar boa parte do trânsito da Marginal.

Fora as que estão em obras, há projetos de outras linhas, como o monotrilho da Cidade Tiradentes, o do Morumbi e a tardia linha 6 – Laranja, que finalmente dará vida digna a quem mora pras bandas de Brasilândia, na zona norte, e precisa circular pelo centro da capital. Mas nem vou me arriscar a falar sobre essas daí, já que o próprio governo não decide por onde elas vão passar e quando serão inauguradas. Abaixo, a previsão do sistema quando a expansão estiver consolidada (chuta quando...).


Enfim, pra completar o panorama que eu, recém-mudado, demorei meses pra entender e pretendi discutir aqui, ainda temos os 200 km de linhas de trem da CPTM. Dotadas de péssima fama – resultado de umas décadas de completo abandono e depredação –, as ferrovias metropolitanas são, hoje, a prova de que dá pra meter trilhos na cidade sem estragar sua estrutura. E, principalmente – essa lição Salvador, Rio de Janeiro e Fortaleza deveriam aprender –, que dá para recuperá-los, mesmo após década de fumação de maconha, sexo explícito, pichação e assaltos em seus vagões.

Há linhas que vão para fora da Região Metropolitana, como a 7 – Rubi; outras que vão às regiões mais humildes e longínquas (a 12 – Safira, que passou por um bom processo de recuperação); outras que ajudam a desafogar o metrô (a 11 – Coral, que atende à zona leste com trens modernos, expressos e com ar condicionado) e, até, uma que tem qualidade de metrô – a linha 9 – Esmeralda, cujos trilhos seguem paralelos à Marginal Pinheiros desde Osasco até o Grajaú, no extremo sul de São Paulo.

Essa última é um modelo: bonita, eficiente e relativamente segura, quebra um galhão para quem trabalha na Berrini e afins. Triplicou sua demanda nos últimos anos, de tão arrumadinha que ficou. É a menina dos olhos do governo para quando for inaugurada a integração com a linha 4 – Amarela, que finalmente dará à rede um caráter radial (sacou o pleonasmo?).

O problema atual da CPTM, enfim, é o mesmo do metrô: superlotação e falta de opções. Cinco das seis linhas estão no limite; prevê-se que, quando 100% ligadas ao metrô, todas vão cuspir gente pela porta. Há, também, relatos de assaltos nas linhas, quando elas entram em favelas, e alagamentos nos trilhos próximos a zonas de risco (Marginal Pinheiros, sobretudo), mas nada que não dê para aturar (estamos no Brasil; incomodados, tirem o passaporte).

Voltando ao raciocínio inicial, dá, sim, para entender os reclames do povo de São Paulo. Estão há décadas ouvindo promessa de conforto, velocidade, de um mínimo de decência em seu tráfego diário. Cada paulistano torra, em média, duas horas do dia em congestionamentos e/ou vagões apertados. Quem não aguenta mais – e ando conhecendo muita gente assim – prefere arriscar comprar um carro e ficar parado na Marginal a ser acotovelado e encoxado nos vagões da linha 3.

Eles têm razão quando dizem que viver aqui é foda. Porque São Paulo é uma cidade rica, rica demais, cheia de coisas boas e gente competente, mas que não avança o suficiente para dar qualidade de vida à classe média, pelo menos no que se refere a transporte. Para embasar o raciocínio, eles comparam a cidade a Londres (que tem um terço da população e sete vezes mais km de metrô) e Paris (que tem 400 km de linhas).

E nós, paraenses acostumados a passar 40 minutos em um ônibus cheio de ninho de barata na BR-316 (tá, em dia de chuva já passei três horas, mas enfim), não temos muita noção do quanto cansa um trânsito organizado e monitorado, porém saturado. Lento. Insolúvel. E comparamos nossos problemas aos de São Paulo, Rio, Curitiba. Nossas referências, se pararmos pra pensar, são o que eles chamam de desgraça, infelizmente.


Por outro lado, eles deve(ria)m entender o nosso lado. Belém, como já resmunguei aqui trilhões de vezes, por exemplo, é um dos lugares mais malcuidados do Brasil. Precisa de transporte público digno, decente, e não o que vemos nas fotos acima e abaixo. Precisa de soluções urgentes. Nossos políticos, incompetentes, ladrões, safados e preguiçosos, nem pensam em fazer um trem urbano; prometem, quando muito, rotatória paga com recursos federais e um ou outro ônibus novo (comprado da frota de sucatas do Rio de Janeiro). E ainda dizem que isso vai resolver o problema da região metropolitana da capital paraense, cuja extensão urbana, daqui a umas três décadas, vai chegar até Castanhal...


Vindo de um contexto desses, qualquer linhazinha de metrô é fundamental e quebra um galhão. Até porque já vi transporte em outras cidades ditas “ricas” – Porto Alegre, Rio, Salvador, Fortaleza –, e, sem exceção, todos são um lixo (isso quando chegam a ser algo, propriamente). Por isso que digo: há quem considere deslumbramento, empolgação, exagero. Mas apliquem o modelo de São Paulo à nossa capital populosa e pré-caótica da região Norte e vejam se ele não é referência.

A solução, enfim, bem ou mal, já está encaminhada aqui em São Paulo. Tem dinheiro, tem governante com o mínimo de formação técnica e profissional, tem mídia de olho, tem pressão popular e especializada e tem projeto – nem que seja para depois da bendita copa de 2014.

Já Belém... Belém vai precisar de muito morador resmungando pra conseguir obter a dignidade que tanto merece. Faço a minha parte, daqui de longe; mesmo esmigalhado num vagão de trem que passa por baixo da cracolândia, nunca paro de pensar na cidade em que nasci, cresci e que, mais por culpa dela do que pela minha, deixei para trás sem um pingo de remorso.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Here to stay


Cada vez que ia à varanda fumar um cigarro, sentia arder os pulmões. Por algum motivo, gostava da sensação – era transgressão, antes; agora, era conforto. Conforto para aturar os dias de frio, o sono e o cansaço da vida, de si mesma... literalmente. Nada como um cigarro para segurar a solidão – a fome, também – enquanto olhava para as ruas estreitas e barulhentas do bairro alto. Que, de alto, só tinha tradição; era baixeza dia e noite, ao menos quando visto por trás daqueles olhinhos atentos.

Havia se mudado para Lisboa fazia uns quatro, cinco anos. Quando foi, ainda era bem jovem. Chorou muito à hora de se despedir dos pais, lá em Santarém. A ideia era boa, muito boa: sair do atraso de um interior ignorado pelo governo, ir à cidade grande, estudar... e viajar de avião, um sonho alimentado por muitas novelas, revistas de fofoca do salão de beleza da mãe e conversas com homens mais velhos. Dessa vez, no entanto, não havia promessa mirabolante: chegou às suas mãos um papel, uma carta, indicando hora, data e o bilhete de voo.

Ela sempre quis ser modelo, e os amigos achavam graça. Era esquálida – não por opção –, desdentada, filha de pescadores; tinha nariz torto, cabelos crespos e maltratados, à altura do ombro, e, aos 13 anos, tinha fama de menina fácil, daquelas que qualquer gringo que aportasse na cidade acolhia e “tratava”. Mas não era bem assim – o negócio era subir de vida, custando o que custasse. Com a promessa daquela moça ruiva, bem educada e apessoada, que visitou sua casa e conversou com seus pais, prometendo emprego e estudos no exterior, tudo pareceu mais fácil.

Chegou à cidade grande sozinha, desamparada, com uns R$ 300 no bolso. Foi recebida pela mesma moça ruiva – curioso, ela não tinha sotaque – no aeroporto, acompanhada de um cara bem vestido, barbudo, educado... português de poucas palavras. Instalou-se nos fundos da casa dele. Não tardou para que o dinheiro acabasse; o país nem era dos mais caros, mas o euro valia bem mais que as economias dos pais miseráveis. Pediu à moça ruiva e ao português uns trocados, mas teve de fazer uns favores em troca. Ganhou um tratamento nos cabelos, um cubículo na ruela mais fétida da cidade e uma, digamos assim, agenda de trabalho. E o tal contrato de modelo... esse sempre ficava para a semana que vem, sempre.

Lembrou daquilo àquela noite. Estranho... pensava ter esquecido de como tinha chegado ali. Não recordava mais o rosto dos pais, dos amigos, dos avós... nem do próprio rosto. Era outra pessoa, olhos verdes falsos, cabelos lisos (alisados), seios imensos e caídos, disformes e cheios de cicatrizes. Parecia uma mulher de 40, 45 anos. As memórias, paradoxalmente, vieram por conta da chuva; fazia muito frio – o agasalho furado não segurava –, era inverno, mas, de alguma forma, a força daquelas trovoadas aludia às calorentas noites de março da terra natal. Nuvens passavam rápido lá em cima, furiosas, ágeis e livres, como ela tanto queria ser; acendeu mais um cigarro enquanto olhava para a rua.

Lá embaixo, passou, em meio a uns bêbados, uma mulher que lhe lembrava a moça ruiva. Mas não a via há anos! Enfim, de qualquer forma acenou, sorriu e ela respondeu, despedindo-se... caminhava rumo a um lugar melhor, com certeza. Lá no quarto, ele, o homem que lhe pagava as contas por essa noite – só essa noite – já começava a se remexer na cama, inquieto. Cuspiu um pouco de sangue no cinzeiro (aquilo já virara hábito), tossiu e entrou, com seu mau hálito, seu corpo azedo e cansado, seu sorriso amarelo e descrente da vida. E se deixou deitar, entregue ao suor de mais um homem que lhe prometia o mundo.

terça-feira, 30 de março de 2010

Metrô em Belém?!?

Quem acompanhou algumas postagens recentes do blog já deve ter percebido que minha relação com Belém é de amor e ódio - às vezes com doses maiores deste, é verdade. Mas, com a distância e pouco mais de um mês de moradia em São Paulo, começou a bater a saudade da nossa terrinha tão maltratada, embora bela e charmosa. Apesar de estar vivendo melhor, com mais segurança e um tantinho mais de acesso às coisas que fazem a vida valer a pena, não passo um só dia sem lembrar do berço. Com isso, voltaram as ideias malucas, os sonhos impossíveis e a vontade de ver Belém andando bem das pernas - coisa que não acontece, segundo meu avô, desde a chegada dele, fugido de Portugal, à "Paris dos trópicos".

Enfim, hoje o assunto é pretensão pura - vamos falar de trânsito, a desgraça rotineira de qualquer ser vivo que se diga belenense. Como todo bom ex-estudante da Unama BR (e ex-repórter de polícia que se embrenhava por tudo que é beco), vivenciei todos os problemas de trânsito que envolvem Belém e seus acessos à Região Metropolitana. Os engarrafamentos quilométricos no Entroncamento, na Almirante Barroso, na Augusto Montenegro... os alagamentos em pleno centro da cidade, as ruas finas e mal sinalizadas - além de mal frequentadas -, etc. e tal. E, por muitos e muitos meses, andei rabiscando em cadernos, folhas avulsas e guardanapos afins uma solução viável e moderna para a cagada viária da capital do Pará. Para surpresa própria, cheguei a uma conclusão: que tal fazer um metrô?

A proposta nada tem de mirabolante. É só uma questão de saber aproveitar os pontos e traçados - sim, apesar de tudo, as ruas de Belém têm certa lógica - e enfiar um sistema metroviário que ligue o centro até as cidades da Região Metropolitana. Depois de deixar de prestar atenção nas aulas do mestrado várias vezes, cheguei à conclusão que isso poderia ser feito por meio de duas linhas: uma "Metropolitana", que levaria da Cidade Velha até Benevides, e outra, a "Perimetral", que levaria da Cidade Velha até Icoaraci. O resultado seriam uns 50 km de malha metroviária, capazes de solucionar o funil-do-diabo do Entroncamento (se bem que o caos nessa região iria pra debaixo da terra) e oferecer um mínimo de dignidade aos moradores e visitantes de Ananindeua, Benevides e da própria periferia e baixada belenenses.



Os desenhos mostram como a coisa deveria ficar. Tive a ideia de o Entroncamento e o Arsenal servirem como estações de conexão, meio que da mesma forma que a (ui) e o Paraíso e a Ana Rosa fazem aqui em SP. Isso ajudaria a desafogar as coisas. Outro ponto: para evitar possíveis desculpas de nossos governantes - "o solo de Belém é muito lamacento!", "não temos recursos pra furar a cidade inteira", etc. e tal -, alguns trechos, como o que passaria pela Augusto Montenegro e o que segue pela BR-316, poderiam ser de superfície. Como? Passando pelo meio da pista ou na lateral, o que demandaria desapropriações.

Enfim, não tô dizendo que isso é mais ou menos viável, que haverá público para ocupar as linhas (vi esse argumento contra metrô em Belém no jornal, em uma entrevista dada pelo responsável da CTBel, acreditam?), que esse traçado é resultado de um levantamento técnico, etc. Aliás, não sou nenhum especialista em trânsito para achar que esse projetinho de leigo é 100% viável. É só uma contribuição de um ex-morador que quer ver Belém e seus moradores circulando em paz pela cidade. Engenheiros e gestores, deem aí seus palpites. Acho, inclusive, que vou mandar a ideia por e-mail para o Dudu e a Ana Júlia. Será que vale a pena?

quinta-feira, 11 de março de 2010

Dez impressões sobre SP

Passados uns dias desde a chegada a São Paulo - um mês e 15 dias, mais precisamente -, já deu para perceber um monte de coisas sobre a cidade. Não que não a conhecesse - mas morando, vá lá, é bem mais fácil perceber os prós e contras de sair de Belém (deixa saudades, ok) e se enfiar numa lata de sardinha de 20 milhões de habitantes. O post é clássico (creio que todo migrante o publique uma vez na vida), clichê até, mas necessário. Não só para tirar a poeira do blog e dar notícias - não sei ao certo para quem -, como também para dar uma pausa nas leituras cabeçudas do mestrado. Vamos a algumas percepções:

1. Paulistas são mais educados que paraenses

Ah, essa eu já imaginava. Mas confirmei desde o primeiro dia na Cásper Líbero: fui bem atendido pelos funcionários (só lembrei dos bibliotecários bem humoradíssimos da Unama), uma acolhida nota dez. Enfim, não só lá, como nas lojas, órgãos públicos, cinemas, restaurantes, e tudo o mais, as pessoas sorriem quando te atendem, ajudam o quanto podem e - ahá! - não fazem cara de dor de barriga quando você pede favor. Ninguém joga lixo na rua, todo mundo cata o cocô do cachorro... todo mundo esculhamba se você não o fizer. Até os órgãos e serviços públicos são mais organizados e arrumadinhos (o metrô que o diga, mas disso falo mais adiante). Único ponto negativo vai para a SP Trans, que atende o povo aqui na Vila Mariana num buraco quente, sujo e pequeno demais para o mar de gente que se acumula por lá. Eu e Mayara passamos uns 40 minutos à espera de atendimento no meio da rua. Mas ninguém rouba sua vez na fila. Só lembrei de Belém...

2. O trânsito é um lixo, mas as pessoas se comportam no volante

Falando em educação, acredite: aqueles engarrafamentos de 150 km que a gente vê na TV não são culpa dos moradores. Ao menos não diretamente. O excesso de carros e as ruas caóticas complicam tudo, mas eu já peguei alguns engarrafamentos (um na Marginal Tietê às 12h, inclusive) e não vi um carro sequer buzinando em 1h40. Nenhumzinho. O povo anda nas faixas certas, dá passagem para todo mundo - chega a irritar - e dificilmente se estressa, assim como evita dirigir "cortando". A única exceção são os motociclistas, desgraçados como em qualquer canto do mundo. Mesmo assim, para quem discorda, há uma alternativa: usar o transporte público, infinitamente melhor que o de Belém. Eu, por exemplo, só dirijo nos finais de semana - e olhe lá.

3. As ruas não têm qualquer sentido

Trânsito de novo. Bom, essa é uma visão negativa, só para ninguém dizer que só faço puxar o saco de SP. Enfim, é fato que, se até morador se perde dirigindo por aqui, era óbvio que eu também sofreria do mesmo problema. E o que deu pra ver foi que, de forma geral, as ruas conseguem ser ainda mais nonsense que em Belém. O sentido delas muda de um quarteirão para o outro - quase causei uma catástrofe numa dessas -, o trajeto que seguia para o sul de repente vai para o leste e tudo o mais. Nas marginais, então, todo erro é fatal, literalmente. Mas pelo menos a sinalização é ótima - tem placa em tudo que é canto, dizendo como chegar nos bairros e etc. Não é à toa que consigo dar umas voltinhas por aí (sem usar GPS, porque a grana anda rala).

4. A cidade é menos perigosa

Prestem atenção, não disse segura. Parece brincadeira, mas uma cidade de 20 milhões de habitantes consegue ser bem menos assassina que Belém. Tem uma pesquisa na internet que já me confirmava isso - mas, agora, senti a diferença no dia-a-dia. O povo fala no celular no meio da rua, dirige de vidro baixo, responde a dúvidas de pedestres (mesmo que só os dois estejam na rua) e sai à noite de metrô. Logo que chegamos, perguntei ao segurança do hotel em que ficamos (no Paraíso) para perguntar se dava para andar na rua àquela hora. Eram 23h de domingo, a rua estava vazia - e o cara disse "claro, fiquem tranquilos". Uma pergunta: em qual rua de Belém você pode dar segurança ao turista? Na Braz de Aguiar? Claro que é preciso tomar cuidado e não ir bater uma bolinha no Capão Redondo, no Grajaú ou algo do tipo, mas enfim... se no Umarizal morrem 15, 20 por ano, na Vila Mariana morreram 2 de forma violenta em um ano inteiro. É isso.

5. O transporte público é insuficiente, embora organizado e limpo

Sou claustrofóbico, isso pode ter influído na conclusão acima. Mas, porra, quem gosta de ser esmagado no metrô às seis da tarde, depois de 7 horas de aula? Só me lembrei de quando voltava da Unama de ônibus no primeiro ano da faculdade - enfiado numa lata de sardinha calorenta e fétida. Pois é: os ônibus, trens e metrôs daqui não chegam a ser assim; não tem ninhos de barata entre os assentos, nem cheiro de cecê da semana passada. O metrô, em especial, é muito limpo, seguro e leva para boa parte dos locais importantes da cidade. Mas é preciso evitar horários de pico e linhas como a Vermelha (já sabia disso desde os tempos de turista). Tem gente demais para poucas linhas, poucos vagões, pouco espaço. Dizem que, com a inauguração da linha Amarela, a coisa vai melhorar nas outras. Por sorte, temos linha Verde e Azul perto de casa. Espero sentado - ou melhor, de pé.

6. O clima é completamente louco

Não, não vou reclamar do clima daqui. É bem melhor do que o hell on earth das manhãs de 35 graus de Belém. Mas é vero - do dia para a noite, literalmente, a gente troca a sunga pelo moleton. E olha que ainda não passei invernão por essas bandas. Chegamos aqui em pleno final de verão. Chuva e temperatura de 20 graus à noite. Uma semana depois, calor seco e temperatura lá pelos 30, 31 graus. Passou o carnaval e caiu novamente. Teve um dia que ficou entre 17 e 20 graus (!). Agora, inferno de novo - a Mayara está tendo que passar manteiga de cacau nos lábios, de tão desértico que o negócio ficou. Sabe a previsão da mulher do tempo? Joga no lixo. Mais fácil perguntar para um nativo que confiar nos órgãos de meteorologia. Ah, e tem um clichê tão válido quanto a chuva da tarde em Belém: sempre, sempre ande com uma roupa de frio escondida na mochila.

7. Paulista não sabe usar subjuntivo

"Cê quer que eu pego?", "Cês quer que traz logo?", "Eu quero que cê faz assim"... urgh. Quem diria que boa parcela dos moradores de uma das cidades com maior nível de educação básica do país falaria sem usar o subjuntivo? Olha que não sou professor de língua portuguesa, mas certas coisas incomodam. Dizem que o português do maranhense e do paraense é o melhor do Brasil; sinceramente, não duvido mais. Nas lojas, nos bares e até naquelas conversinhas que você inevitavelmente ouve no meio da rua, as conjugações erradas imperam. Isso sem contar o gerúndio (e ainda tem gente que implica com o falar cantado do Nordeste). Se já tinha orgulho do nosso sotaque, carregado e autoral na medida certa, agora é que o uso com mais convicção...

8. Comida, gasolina e roupa são mais baratas

Sad but true. Até fruta amazônica consegue ser mais barata aqui em SP. Fazer compras, seja de roupa, seja de gêneros alimentícios, não é tão desesperador quanto em Belém. O esquema é saber pegar os dias de liquidação, em que o quilo da carne sai pela metade e uma roupa de frio sai por R$ 40. E prestar atenção na oscilação de preços, que é bem comum. E a gasolina... ah, a gasolina. Procurando legal dá para achar postos vendendo da comum a R$ 2,39., até R$ 2,34. E não é adulterada: a polícia cai de pau em quem dilui combustível. Lembro dos tempos em que torrava uns 20 reais por dia - já que não existe transporte público em Belém - e abastecia pagando R$ 2,89 (essa foi a última tabela que vi antes de me mudar, já deve ter aumentado). Aqui, se gastar R$ 100 no mês inteiro, é muito. Leveza no bolso e no volante.

9. Os supermercados de Belém são melhores

Isso me surpreendeu. Achava que o Líder, com seus preços nada módicos e suas atendentes bocejantes, eram o que de pior havia no ramo no Brasil. Que nada: vem pro Extra, pro Pastorinho, Carrefour ou o que quer que seja. A única exceção é o Pão de Açúcar, frequentado por gente, como diria um delegado de Belém, do alto staff. Para começar, não tem empacotadores: você mete tudo em saquinhos sofríveis (sempre arrebentam) enquanto se desdobra para checar a nota fiscal, meter tudo no carrinho e passar o cartão. Além disso, as filas são intermináveis e os estacionamentos vivem lotados. Já fui às 12h de segunda-feira e encontrei o supermercado socado de gente. Outro problema é que, por conta da demanda absurda, sempre tem produtos em falta. Demoramos semanas para achar presunto de peru nos supermercados daqui.

10. É uma cidade boa de se viver

E, para finalizar, o momento puxação de saco: SP é, sim, um lugar ótimo. Depende apenas dos interesses de quem para cá se muda. Já fui mais intransigente - questionava quem me dizia que queria viver em Belém o resto da vida, que não se imaginava morando fora do Pará, etc. e tal. Hoje já entendo, até porque não é fácil suportar o ritmo de SP. Trânsito louco, correria, fumaça, empurra-empurra... tem que haver alguma ligação sentimental e/ou financeira (no meu caso, as duas) com a cidade para aturar isso tudo. Se for preciso enumerar qualidades, além das que estão acima, lembremos do clichê: vida cultural assegurada, serviços de todo tipo, a toda hora (o Burger King é a bênção!), muita coisa para se fazer... e, no meu caso, ensino de qualidade. Nunca tinha tido aulas como agora. É nisso que penso quando bate aquela saudade imensa das pessoas, dos lugares que deixei. O investimento vale a pena.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

News


Ontem fez uma semana desde que saí do Formule 1 e me instalei junto à Mayara em nosso primeiro apartamentinho. É pequeno - mínimo, na verdade -, porém extremamente confortável, além de ter uma vista bem urbana (é a que vocês veem na foto; não podia ser mais São Paulo) e um entorno legal - fica na Vila Mariana, a 1,5 km do Ibirapuera. Estamos perto do metrô (duas linhas nos arredores), temos máquina de lavar e tevê a cabo, entre outros confortos essenciais numa cidade grande. Tudo ajeitadinho, enfim.

A vida a dois - sem empregada ou babá tardia - não é tão difícil, tem suas diversões. As tarefas estão bem divididinhas. Ela cozinha, lava e passa roupa; eu lavo louça, dirijo e faço café da manhã e lanches. Até aí, tudo ok - ainda não resolvemos nos arremessar pela janela ou algo do tipo. Quando algo dá errado, é uma piada; a gente se enrola, mas dá risada, se resolve aos trancos e barracos, sem mamãe, Zélia ou Marizete. É a prova de que a tudo o ser humano se adapta. Eu estou aprendendo a mexer em máquina de lavar, por Deus sagrado!

No mais, é aquilo que esperava: estar desempregado e vivendo de mesadinha dos pais é estranho, mas dá para conviver, em especial estando na cidade em que planejava morar desde o início da graduação. Bicos ocasionais têm aparecido para que eu não enferruje, felizmente... só não sei até quando. De qualquer forma, passamos no Mestrado da Faculdade Cásper Líbero - creio que isso vai ocupar minha mente por um bom tempo.

Algumas impressões iniciais da nova casa? Sim. Conforme esperava, a vida em São Paulo é bem menos pacata. Já fomos acordados por helicópteros e aviões que tomam nossa casa como rota de passagem (é relativamente perto do aeroporto e dos trocentos heliportos da Paulista), inclusive de madrugada. O metrô é limpo, organizado, mas um caos por natureza, sobretudo na linha Azul, às seis da tarde. Enfrento minha claustrofobia todo dia. Já peguei engarrafamento na Marginal Tietê, quando voltava com meu carro recém-buscado lá de Guarulhos - detalhe: não chovia nem nada, era engarrafamento por prazer mesmo. Também gastamos umas duas horas do dia lavando banheiro, trocando saco de lixo, etc.

Por outro lado, vejo muitos, mas muitos motivos para tanto nortista e nordestino vir parar aqui (Vila Mariana, por sinal, é um antro de paraense). Primeiro: a violência é, contrariando todo preconceito e senso comum, bem menor que em Belém. Sad but true, mano. Dá para andar na rua à noite, após as 22h, tranquilamente, em boa parte da cidade. Acredito que o transporte público também dê de pau em nossos ônibus repletos de ninho de barata de Belém, bem como a vida cultural, as oportunidades profissionais e os salários. O povo é mais educado, dirige melhor. Ah: quase tudo é 24 horas. Até sex shop full-time tem; já vi um na Rubem Berta.

E os contras?, você deve estar se perguntando. Bom, aqui tem o problema da chuva - que nós, burguesinhos da Zona Sul, não vivenciamos tanto -, do trânsito, que consegue ser pior que o da querida terra natal. Mas nada que supere a saudade dos amigos, da família, da sensação de conhecer a cidade na palma da mão. Isso tudo deixa a coisa dramática. Não pensem que eu, insensível contra todas as expectativas, não senti o peso nas costas.

O dia que deixei a mamãe - sim, ela veio nos ajudar por uns dias - no aeroporto foi foda. Para completar, nos perdemos na volta (sorte que aqui não tem Barreiro próximo do aeroporto, hein). Daqui a duas semanas, é meu aniversário. O primeiro longe dela e do papai. Mas enfim - como disse da vez passada, escolhas são escolhas, e em geral têm ponto positivo de sobra. Esse é o caso. O apartamento já está montado, já entramos no curso que queríamos desde 2007, a vida de "casado" não podia ser mais prazerosa. Não poderia estar melhor...

Aliás, poderia sim. Tá um calor dos infernos aqui, quase (eu disse quase!) tão ruim quanto o de Belém. Faz 33 graus de dia, daí chove e cai para 23 à noite - isso quando cai. Inverno, chega logo. Mesmo que para destruir meus hábitos paraenses.