quarta-feira, 20 de julho de 2011

Mellow


O cheiro de areia e da água barrenta, metade mar, metade rio, ainda estava forte no nariz – e olha que já havia cinco anos. Todas as vezes que olhava pela janela, sabe-se lá como, via aquela praia malcuidada, mas tão gostosa, que ficava guardada nas imagens da infância. Aquele clima estável e aquele arzinho puro que tratava de vir com força e bloquear as baforadas de calor do centro da cidade. Apesar de tudo, era confortável – talvez, reconfortante.

A paisagem, agora, era outra – a de uma cidade grande que, para surpresa geral, sabia descansar nos fins de tarde de julho. O bairro era calmo; nem às 18h se via mais que dois, três veículos acumulados nas esquinas. A escolha daquele cantinho fora intencional, já que, de bagunça, bastava a rotina de trabalho durante a semana. E os mil percalços no caminho para casa.

No lugar do mar, ao fundo da vista da janela havia uma avenida de oito pistas que, mais à frente, vira rodovia e leva até o litoral. Um pouco acima, em outra grande avenida, um shopping, uma linha de metrô, vários hospitais e um terminal de ônibus. Apesar de tudo, imagens de uma vida tranquila.

De alguma forma, tudo aquilo lhe lembrava a cidadezinha de 50 mil habitantes em que as férias eram curtidas, junto com sei lá quantos familiares e amigos num apartamento que, dizia-se, fazia parte do primeiro prédio construído por lá. A relação de amor e ódio com a cidade grande se repetia naquele fim de mundo: 30 dias longe de casa eram tortura; 15 ou 10, bênção dos deuses.

À noite, andava sozinho, lanterna em mãos, nos arredores, brincando de iluminar as ruas sem asfalto ou sinalização; de manhã, de frente para a água, fazia castelos de areia gigantescos, lixando-se para a maré alta e suas ondas destruidoras de pequenos empreendimentos infantis. E até comia peixe – que, na cidade, fazia questão de odiar -, caso fosse pratiqueira fresca, só para abrir o apetite para as invenções culinárias da avó.

A praia, infelizmente, era (ainda é) um nojo. Suja, bagunçada, barulhenta e poluída. Os carros, enfileirados, disputavam a potência de seus amplificadores – tudo acompanhado por barracas sem tratamento de esgoto, pilhas de lixo jogadas na areia e eventuais arrastões no fim de tarde. Havia, ainda, as horas perdidas nos engarrafamentos na ida e volta pela estradinha enlameada, em que, não fossem as fitinhas musicais tocadas à exaustão no carro do pai, toda a família enlouqueceria.

Mas a companhia dos pais, irmãs, tios, primos e avós - sem contar os agregados - compensava tanta inadequação e falta de civilidade. Quando queria esquecer tudo, tapava os ouvidos, corria para o mar e ficava duas, três, quatro horas tomando banho, sozinho, com água até o peito. Lutava contra as ondas e apostava aguentá-las sem ter de mergulhar. As mãos ficavam enrugadas e os olhos, doloridos pela alta concentração de sal. Só saía de lá à hora de voltar para casa ou tomar água de coco com o avô debaixo do guarda-sol.

Pensou consigo mesmo, da janela de sua “nova” – nem tanto – casa: onde é que eu estava em julho há uns dez, onze anos? Provavelmente catando conchas no Atalaia ou no Farol Velho. No lugar do cheiro de areia, porém, sentiu o aroma de algum vizinho cozinhando o jantar. Ao invés do calor de 30 graus e da ventania, um clima ameno – e um pôr-do-sol que, às 17h30, já estava bem avançado. Em vez de uma dúzia de familiares espremendo-se em um único apartamento, uma esposa linda e dedicada e um cachorrinho, com direito a eventuais visitas de final de semana.

Não há, entre um e outro, melhor ou pior, pensou; como todas as saudades maduras, aquela, mais que tristeza, trazia nostalgia, paz de espírito. Era a prova de que, ao contrário do que meio mundo lhe disse, aquela cidade não o transformou em um ser mecânico, desprovido de emoções. Tornou-o, isso sim, criatura saudosa e capaz de valorizar pequenos sabores, cheiros e imagens.