terça-feira, 23 de agosto de 2011

Sobre a demissão de minha mãe, Maria do Carmo Lobato, da presidência da Santa Casa do Pará

Mais uma vez, a minha mãe foi demitida - desta vez, pela televisão - por um governo que cede às pressões de uma imprensazinha sangrenta e sensacionalista. Na primeira demissão, à época do governo do PT, foi porque ela denunciou ao jornal O Liberal o calote do governo ao Hospital Metropolitano, que estava há meses sem receber recursos. Agora, foi demitida pelo PSDB após a morte de dois bebês de uma gestação de risco; nada foi apurado, não há provas de que a médica que estava de plantão no hospital tenha omitido socorro. Minha mãe, até ontem presidente da Fundação Santa Casa, foi demitida, provavelmente, por pressão política e porque alguém - além do próprio secretário de saúde e do governador, que são quem gerencia os recursos - tem que pagar. Alguém "mais fraco", será? Não; minha mãe está bem acima disso, é bem superior a este monte de fezes de cavalo e carniça. Por isso, foi demitida.

Ela assegurou nas entrevistas que deu durante todo o dia, para todos os veículos de comunicação de Belém, o que continua confirmando: a Fundação Santa Casa, em nome dela, estava do lado da médica, porque a profissional em questão não omitiu socorro. Há documentação provando isso. Os exames do IML confirmarão que não houve omissão; a morte dos bebês foi uma tragédia que nada teve a ver com a gestão, com a competência de minha mãe. Tem a ver, isso sim, com décadas e mais décadas de omissão, mediocridade, mentes pequenas, mentes pobres de espírito e de coração, que deixaram nossa saúde virar motivo de piada em todo o País.

Há 20 e poucos anos na administração pública, 12 anos de Hospital de Clínicas e mais dois no Hospital Metropolitano de Urgência e Emergência, mais de uma década no Conselho Regional de Medicina do Pará (CRM/PA) (onde é, inclusive, membro do Conselho de Ética), com pós-graduação em administração hospitalar no Japão, minha mãe, Maria do Carmo Lobato, é professora aposentada (concursada federal e do Estado), otorrinolaringologista, membro do CRM e – graças a Deus – não depende de DAS pra sobreviver.

Aceitou o convite para ser presidente desta fundação por acreditar que trabalha bem – coisa que centenas, ou talvez milhares, de pacientes, amigos e médicos colegas o sabem – e que poderia fazer um bom trabalho no hospital, que foi sucateado nos últimos anos por gestores e governantes os mais variados. Mas foi demitida por um caso não apurado; por um caso que, certamente, não questiona sua competência, tampouco sua capacidade de ser transparente e abrir os fatos para investigação - coisa que desde o primeiro momento alegou querer fazer.

Amigos, volto a repetir o que todos sabem que penso: o Pará, desse jeito, merece o lugar de fundo de poço em que está. Merece, e não tenho mínima vergonha de dizer isso: eu já desisti, covardemente, aos 22 anos, e larguei de mão este lugar de políticos nojentos, sem lei nem moral, que se prostituem por um cargo comissionado e jogam pros urubus quem não tem culpa alguma. Minha mãe vai sair do setor público – espero eu, pois não aguento mais vê-la ser humilhada por essa gentinha, seja PT, PSDB... – e seguirá com sua vida, vida íntegra, sem um único pingo de lama no currículo.

Enquanto isso, o governo nomeará outro(s) “presidentes”; muito provavelmente menos comprometidos, menos competentes, selecionados por critérios políticos, treinados para ficar como cachorrinhos, de boca calada e repetindo os discursos do patrão. A Santa Casa continuará na lama, milhares de grávidas sem pré-natal, sem apoio algum do poder público, continuarão tendo filhos que nascerão mortos à porta de prontos-socorros.

Tudo isso continuará sendo feito pelos governantes sem pulso, medrosos, corruptos e entregues ao sensacionalismo barato. Mas eles passarão. Minha mãe, passarinho.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Bebê em pílulas


A última vez em que estive em Belém foi para casar. Um corre-corre absurdo; meu voo atrasou, cheguei na véspera da cerimônia, fui quase direto para o ensaio, fiquei de um lado para outro atrás dos familiares e amigos que tão raramente a gente vê, tudo isso sem dormir direito – na verdade, eu e a Mayara só fomos descansar já no segundo dia da lua de mel. Pois é: como tudo nessa vida se repete em maior intensidade, eis que volto pra terra natal para passar pouco mais de um dia, sem contar as onze horas de avião, tudo por causa dessa coisinha pequena aí em cima. Minha primeira sobrinha.

Claro, se fosse “só” pelo título aí conquistado, não teria grandes novidades. Já havia ganhado sobrinhos homens bem antes, aos dez anos de idade. Lembro que, quando o João – que, hoje, tá mais alto que eu – nasceu, mal conseguia carregá-lo, de tanto medo de fazer alguma besteira e deixar a Rita furiosa. O Gutinho, segundo na lista, nasceu em 2005. Enfim, o status de tio, para usar um nojentíssimo jargão corporativo, "está no meu DNA" – mas dessa vez, a coisa é um pouco diferente. Moro longe de todo mundo há mais de ano e meio e sou bem mais "crescido" que antes. O peso da mudança - de qualquer mudança - é infinitamente maior.

Talvez seja por isso que tenha me sentido tão velho, aos 22 anos de idade, quando eu e a Mayara entramos na maternidade pra ver a Clarissa – a segunda-irmã-mais-velha, que separava as brigas entre a Isabela e eu e que tomava conta da casa quando nossos pais saíam – e sua cria. O quarto estava lotado de amigos dela e do Murilo; mal chegamos e o paizão já veio oferecendo vinho pra brindar, rosado como sempre. Uma festa só. Passei uns dez, quinze minutos vendo aquele bebezinho (surpreendentemente grande!) se remexer, franzir a testa e esticar as pernas no berço. Identifiquei, ali, a cara de um, o olho do outro – e a personalidade da minha irmã, tão... er... inconfundível.

O que eu e Isabela, que também mora longe da nossa família, sempre conversamos voltou à cabeça naquela hora: Belém, sabe-se lá como e por quê, deixou de ser nossa cidade. A gente gosta de rever a família, os amigos, passear nos mesmos lugares e comer nos restaurantes de sempre, mas, aos poucos, as imagens de lá são mais passado que presente; uma espécie de memória que se atualiza nas datas comemorativas e feriados passados por lá, com uma ou outra figura nova no meio de um álbum de fotos empoeirado.

Talvez por isso tenha vindo uma pontada de tristeza na primeira vez que olhei para a Betina: não vou acompanhar o crescimento dela, nem seus primeiros passos. Quando chegar lá, no Natal ou no Círio, nem a roupa que demos de presente para ela vai servir mais. Num piscar de olhos, vai estar falando meu nome, me chamando de “senhor” (que nem o João, numa postura que a Mayara acha a coisa mais “fofinha” do mundo, nos chama até hoje...), andando e dando trabalho para a Clarissa e o Murilo. De um jeito ou de outro, vamos curti-la em pílulas – mas a qualidade da convivência, e esse clichê me tranquiliza muito, depende muito mais de aproveitamento real que de quantidade de tempo.

Quando a gente decidir ter filhos por aqui, vai ser o mesmo drama, só que a 1.000 km de distância. As posições vão estar invertidas: seremos nós dois, nessa cidade grande, brigando pra criar nosso filho com toda a dignidade do mundo, contrariando a tendência pós-moderna de pais e filhos cada vez mais inconsistentes em seus papéis. Não vou dizer que tenho pressa para chegar a este dia – “mais uns dez anos...”, como diria a Mayara –, mas certamente as caras babonas da minha irmã e do Murilo diante da filha me fizeram pensar no quão gratificante pode ser colocar uma criança no mundo. Só de vê-los juntos por 24 horas, nesse último final de semana, tenho certeza de que vai tudo dar certo. E de que sou só orgulho e saudade dessa família muito unida – e, também, muito ouriçada – que tenho lá do outro lado do país.