segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Sobre ela, a-que-não-deve-ser-mencionada

Tudo explodiu há mais ou menos um ano e meio. Estávamos eu e Mayara no cinema, num dia ótimo e nada estressante, quando, de repente, minha visão escureceu. O coração disparou, o peito começou a arder – e uma sensação de morte iminente começou a tomar conta da minha cabeça. Ia morrer... ou ficar louco, ou sair correndo, ou me matar, ou matar alguém, algo assim. Só não ia ficar numa boa, como estava alguns segundos antes. A sensação veio no exato momento em que o letreiro dos créditos do filme surgiu na tela e as luzes se acenderam. Avisei a ela que tinha sentido algo muito, muito estranho. Preocupados, pegamos o metrô de volta para casa.

Eram 18h. A linha verde estava um caos, a estação Consolação tinha uma fila que começava na rua. A multidão e o empurra-empurra não ajudaram. Continuei achando que ia dessa para a melhor. Fomos para o hospital na hora em que o rodízio do carro encerrou, lá pelas 20h. Minha pressão estava em 16 por 12. Os médicos chegaram a pensar que eu estava tendo um infarto, então passei a noite por lá, fazendo exames. Quanto mais nervoso, mais certo de que ia acontecer uma tragédia. Aquela sensação aguda, porém, não voltou.

No dia seguinte, estava em casa, diagnosticado com “nada de grave”, nas palavras do jovem (e gente fina) clínico geral que me atendeu na emergência. Fiz uns exames na semana seguinte, tudo estava normal – até os níveis de colesterol e glicose, para surpresa da nação. E fui numa consulta a outro clínico; tiozão de meia-idade, com jeito de que tudo sabia. “Teu problema não é aqui”, falou, apontando para o coração, meio risonho, como se já tivesse visto aquela história antes. “É na cabeça, nos sentimentos”. Depois de falar com meu sogro – que é psiquiatra – e familiares, percebi que não ia morrer do coração aos 22 anos, não. Tinha uma “doença” bem menos letal e comum: a ansiedade, que explodira na forma de um tal de ataque de pânico.

Era de se esperar. Desde os 12 anos, já mostrava alguns sinais. Era um moleque agitado, do tipo que não aguentava ficar muito tempo sem o que fazer – ou sem ter notícias de meus familiares, amigos e etc. Em resumo, precisava ter controle de tudo. Se alguém sumisse e não atendesse o telefone, logo achava que alguma tragédia tinha acontecido; se ficasse no meio da multidão do Círio de Nazaré e o fluxo parasse, achava que ia morrer, pisoteado, asfixiado ou ambos.

A claustrofobia se manifestou nessa época. Parei de andar de elevador e subia dez andares de escada, cerca de três vezes por dia, ao sair e voltar para casa. Mas nem eu, nem meus pais achávamos que aquilo fosse sério. “Até emagrece”, atrevia-me a justificar, irônico, para quem estranhasse esse meu hábito jeca-tatu. A mudança para São Paulo com a Mayara, a distância de toda a família, a falta de emprego, dinheiro e lazer, o mestrado, as responsabilidades meio precoces que isso gerou – tudo pode ter ajudado a fazer eclodir a história, embora, certamente, não se possa atribuí-la a um fator isolado.

Para bloquear os ataques de pânico, que aconteceram mais umas quatro vezes, nas situações mais estranhas possíveis – na cama, dormindo; num ônibus vazio; num restaurante, meia garrafa de vinho depois... –, comecei um tratamento. Primeiro, uma ida a um psiquiatra amigo da família, que, por sua vez, me encaminhou a uma psicóloga, com a qual faço terapia até hoje. Paralelamente, passei um tempo tomando medicação antidepressiva (isso depois de ser convencido de que, apesar do nome, o remédio não servia apenas para gente depressiva).

À exceção da primeira semana após o piripaque, não tomei tranquilizante/ansiolítico – me sinto meio dopado, além de achar que ele apenas mascara o problema psíquico. O antidepressivo, apesar dos enjoos e da sonolência nas primeiras semanas, foi uma mão na roda; parei de tomá-lo uns seis meses depois. Serviu, principalmente, para me deixar mais “para cima” e corajoso para enfrentar a vida em uma fase em que aquilo era essencial (e o corpo, sozinho, não dava conta). Mas, certamente, o que mudou tudo foi a terapia – foi nela que aprendi a compreender, buscar as raízes, discutir, externar e enfrentar minhas angústias, medos e etc.

Com o tempo, aprendi, sobretudo, que ter transtorno de ansiedade – e não “doença”; por isso as aspas – não é coisa de fresco ou motivo para se envergonhar; assumir e entender sua existência (e até mesmo sua "função", em doses convencionais) são os primeiros passos para aprender a conviver bem consigo mesmo, já que dificilmente ela desaparece de vez. E passei a recomendar a procura por ajuda especializada a todo mundo que, aos meus olhos de leigo, parece ter alguma questão interna por resolver – talvez, se não existisse tanto preconceito e discurso distorcido por aí, a vida fosse mais fácil para a imensa parcela da população mundial que sofre de algum tipo de transtorno psicológico leve.

Se às vezes ainda sinto sintomas típicos, como palpitações, pensamentos absurdos e invasivos, medo de morrer e/ou ficar louco, etc. e tal? Sim – embora em frequência muito menor, após uns bons meses de mente despreocupada. Mas isso não é frustrante: diferentemente de uma gripe, as coisas não se resolvem em semanas no complexo e altamente subjetivo mundo da mente humana. A evolução importante é que, agora, aprendi a entender meus limites e recursos para conviver com a ansiedade, do mesmo jeito, por exemplo, que um diabético atura a vontade de comer doces e o medo de uma feridinha não cicatrizar bem – com tranquilidade e até bom humor, dependendo da situação.

Ao contrário do que muita gente pensa (e propaga), não é nenhuma via crúcis, nenhum martírio do qual deva me sentir orgulhoso ou envergonhado – tampouco uma espécie de “castigo” da vida, como muita gente dramática, derrotista e, arrisco dizer, egocêntrica costuma dizer. É, acima de tudo, um desses males do mundo moderno que cerca de 20% das pessoas têm de aturar em alguma fase de suas vidas – e enfrentar, para que a convivência consigo mesmo nunca deixe de ser um prazer e um aprendizado contínuos.

(O título é ironia - referência ao monte de gente que tem vergonha, medo ou preguiça de falar sobre problemas psicológicos que já teve de enfrentar algum dia. Demorei um ano pra tomar coragem e escrever numa boa sobre isso; e a sensação é ótima, agora que o fiz. A todos, uma dica: falar dos problemas não é lamentação, e sim parte do processo de resolvê-los!)