terça-feira, 1 de outubro de 2013

Closure

                      

As duas meninas acordaram, trocaram uns beijos e correram para a escola. A mãe de uma delas serviu o café da manhã, mas ninguém quis acompanhá-la. Não via o marido há dias. Mordeu a torrada com gosto de café amargo, chorou baixo e ligou para a terapeuta. Saiu de casa correndo; perdera a hora curtindo a chuva borrar suas janelas.

Do outro lado da cidade, o garoto ruivo e sardento assistia à briga dos pais. Batia os dentes; o frio de cinco graus incomodava menos que a sensação de que ia acabar apanhando. Quando estava perto da porta, ouviu gemidos na sala; voltou e, de relance, viu-os estirados no chão, pernas escurecidas, seringas injetadas desajeitadamente, aquele cheio adocicado horrendo no ar. Saiu correndo e pegou o primeiro ônibus que passou na rua.

Dentro do metrô lotado, a mulher de meia idade pensava no quanto era insuportável deixar o carro a quilômetros do trabalho. Sentia-se presa, cercada daquela gente imunda que pegava a linha na periferia. Na saída, tropeçou na escada. Uma senhora gentil a ajudou a se levantar; pediu para que a levasse até o centro financeiro, pois nunca tinha estado na capital. Aborrecida, apertou o passo, puxando a idosa para a faixa de pedestre.


Com a pressão do relógio nas costas e um pivete de oito anos chorando por ajuda em seu ouvido, o motorista do ônibus acelerou – derrapou ao ver o sinal vermelho piscar. As duas meninas também atravessavam a rua, risonhas; na direção oposta, a mãe fumava dentro de um sedã perdido entre as faixas de mão dupla. Os pais do garoto ruivo sentiram a pontada no cérebro, mais forte e persistente. O relógio de rua parou às 8h05.