As duas meninas acordaram, trocaram uns beijos e correram
para a escola. A mãe de uma delas serviu o café da manhã, mas ninguém quis
acompanhá-la. Não via o marido há dias. Mordeu a torrada com gosto de café
amargo, chorou baixo e ligou para a terapeuta. Saiu de casa correndo; perdera a
hora curtindo a chuva borrar suas janelas.
Do outro lado da cidade, o garoto ruivo e sardento assistia
à briga dos pais. Batia os dentes; o frio de cinco graus incomodava menos que a
sensação de que ia acabar apanhando. Quando estava perto da porta, ouviu
gemidos na sala; voltou e, de relance, viu-os estirados no chão, pernas escurecidas,
seringas injetadas desajeitadamente, aquele cheio adocicado horrendo no ar.
Saiu correndo e pegou o primeiro ônibus que passou na rua.
Dentro do metrô lotado, a mulher de meia idade pensava no
quanto era insuportável deixar o carro a quilômetros do trabalho. Sentia-se
presa, cercada daquela gente imunda que pegava a linha na periferia. Na saída,
tropeçou na escada. Uma senhora gentil a ajudou a se levantar; pediu para que a
levasse até o centro financeiro, pois nunca tinha estado na capital.
Aborrecida, apertou o passo, puxando a idosa para a faixa de pedestre.
Com a pressão do relógio nas costas e um pivete de oito anos
chorando por ajuda em seu ouvido, o motorista do ônibus acelerou – derrapou ao
ver o sinal vermelho piscar. As duas meninas também atravessavam a rua,
risonhas; na direção oposta, a mãe fumava dentro de um sedã perdido entre as
faixas de mão dupla. Os pais do garoto ruivo sentiram a pontada no cérebro, mais
forte e persistente. O relógio de rua parou às 8h05.