segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Quase-experiência de quase-morte transforma a vida de jovem belenense



O título acima é quase de jornal, mas dá todo o significado ao relato que se segue. Na véspera do ano-novo, quase as coisas se invertem e eu viro notícia de caderno policial. Calma, paraenses ávidos por mais uma notícia mórbida - não fui assaltado, linchado pela população ou atropelado por um ônibus no Entroncamento, nada disso. O fato é que quase fui atingido na cabeça por uma janela que caiu de sei lá que andar no prédio de minha tia. Não só eu, mas minha namorada, minha irmã, meu cunhado e minhas duas primas.

O objeto pontiagudo e quebradiço se espatifou a cerca de dez centímetros de nossas cabeças; quase que todo mundo leva o farelo. Quando a gente se acostuma à iminência da morte, as coisas ficam mais fáceis de assimilar - e, para quem mora em uma cidade como Belém, era de se esperar que um susto cotidiano desse não fosse gerar tamanha comoção. Mas gerou, pelo menos em mim. Repensei minha vida às vésperas do reveillon - e desta vez, sem ironia!

Enfim, vamos aos fatos: nós tínhamos acabado de chegar ao aniversário da minha tia, e, como bom núcleo jovem de família portuguesa, decidido fumar um cigarro lá fora. Era, sei lá, umas nove e pouco da noite, o céu estava todo estrelado. Nem sinal de chuva (por sinal, cadê nosso "inverno" amazônico? Hã, hã?). Acendemos o cigarro e começamos a bater papo.

Os assuntos eram vários - viagens já feitas, planos para o futuro, memórias de infância... todo mundo estava tranqüilo, sem trabalho acumulado, sem brigar feio com ninguém, sem vontade de ir ao banheiro, nada. Só com fome - e muita (lá dentro, os pais e avós já estavam atrás da gente). Ali, estavam reunidos familiares que moram em Belém, em Marabá e em Portugal, lá onde a violência (quase) não chega.

Pois bem, o tempo foi passando e, um ou dois cigarros depois, nosso círculo de bate-papo deu uma mudada normal de posição. Antes estávamos mais unidos e diante da porta; agora, todo mundo estava no meio do corredor a céu aberto, curtindo a brisa. Do nada - e quando digo "do nada", é do nada mesmo! - teve um barulho. Antes que desse para olhar pra cima, uma janela de banheiro se espatifou ao nosso lado, caindo lá do décimo sei-lá-o-quê andar.

Alguns cacos de vidro voaram nos pés da minha prima caçula, mas antes de qualquer coisa a gente saiu correndo para dentro do prédio, gritando de "puta que o pariu" para baixo. Quando olhamos para o lado de fora, vimos a dimensão da bicha: ela tinha um metro de largura, mais ou menos. E caiu a um ou dois passos de distância de mim - quem ia se foder era eu, de fato.

Nunca dei uma de ateu, mas às vezes confesso que a minha crença fica abalada em meio à rotina de trabalho no jornal - quando a gente vê tanta desgraça que parece não crer na beleza e positividade da vida. Deixei de freqüentar a Igreja por questão de hábito, mas até hoje me considero católico e acredito em Deus - por isso, cheguei à conclusão de que, se a vida é frágil, é porque há alguém apto para protegê-la ou olhar por nós, sei lá! Naquela queda de janela, alguma coisa deve ter protegido a gente. Não acredito em ventos meridionais ou ângulos de inclinação que a tenham jogado bem ao nosso lado.

Numa crônica divertidíssima que minha namorada me mostrou, a Martha Medeiros comenta sobre isso - como o acaso pode nos pregar peças e nos sacanear, tirando nossa vida enquanto temos milhares, talvez milhões de coisas a fazer nesse mundico. Naquela noite próxima ao ano novo, tudo o que tinha em mente para este ano - meu TCC, minha mudança para São Paulo com a Mayara, meu segundo emprego recém-conquistado, minha mudança de turno na faculdade, meu primeiro ano completado de trabalho - quase foi ceifado por uma porra de janela que resolveu se desprender de uma construção que só visito umas três vezes ao ano.

Conversando com a minha mãe - ah, as mães, sempre tão sábias! -, eu e minha namorada ouvimos palavras de puro empirismo de médica: "É, Mayara, quase que tu viras viúva!". Risadas à parte, a gente olhou um para o outro e pensou: por que não, né? Às vezes, mesmo em uma cidade violenta e tribal como Belém, a gente pode morrer de formas imbecis, daquelas que chegam em nossa caixa de entrada em e-mails de origem duvidosa. E isso sem nunca ter saído com os vidros do carro abertos de madrugada, sem ter pegado um atalho para a Unama da Br-316 pela Pedro Álvares Cabral, sem ter dado carona a um mendigo suspeito. Nada.

A gente toma cuidado para não entrar nas páginas de polícia, mas às vezes morre e ponto. Fazer o quê? Contra essas coisas não há segurança alguma. Naquela noite de dia 30/12/2008, quase viro noticiário policial, mas nada que a gente não supere. O ano já começou, tinha até esquecido do assunto é só lembrei dele depois de ler a crônica da Martha. E depois, com o tempo a gente passa a levar na brincadeira, né? Vou encerrar por aqui com uma reflexão que tive com um amigo. Via Google Talk, ele analisou a quase-experiência de quase-morte e disse tudo:

- Égua, bicho, mas pensa bem... levar uma janelada e ser partido ao meio em Belém é bem mais cult que levar bala na Terra Firme, não é?

- Sábias palavras!