terça-feira, 7 de junho de 2011

Vilãs que te fazem repensar a vida

Tá: antes de mais nada, uma justificativa para ter ficado tanto tempo longe desse blog há de ser feita. Ultimamente, a dissertação do mestrado, os preparativos do casório e a procura de emprego fixo e estável – ainda não acredito que essa situação foi resolvida, sério... – viraram prioridades; quando batia a inspiração de escrever, era sempre no blog de poesia – mais subjetivo e tal (té fresqué, maninhu?).

Mas eis que uma conversinha fiada via Facebook com uma amiga me fez pensar em um dos temas que mais têm me perturbado ultimamente: a ficção seriada. Oras, além de ser um noveleiro doentio – eu e Mayara já deixamos de sair com amigos para ficar no sofá vendo tevê... admito –, tenho a ficção seriada como objeto de estudo no mestrado. Por obrigação, portanto, gasto meu tempo ocioso no engarrafamento (dirigindo ou nos ônibus lotados da linha 475R-10) pensando a respeito das telenovelas e de suas (algumas) qualidades e (muitos) defeitos.

E quem dá graça a nossas historietas televisivas até hoje, a despeito da repetição interminável de tramas, argumentos e personagens? Parem pra pensar – mocinhos ou bandidos? Heroínas e heróis, chatonildos que fazem o bem e perdoam até Hitler, ou psicopatas incuráveis, do tipo que dá gargalhada ao ver algum coitado se espatifar ao cair de um barranco ou morrer carbonizado num incêndio? Claro que os vilões têm mais graça – e, coincidência ou não, os do sexo feminino são muito, mas muito mais true.

Como bom representante da safra nascida em 1989, tenho em mãos ótimos exemplos de damas que fizeram casais protagonistas e mocinhos comerem o pão que o diabo amassou – mas todos de novelas recentes. Não que não conheça Odete Roitman e afins, mas foram as vilãs dos anos 1990 e 2000 que ficaram na memória – e quando digo memória é sério; já tive pesadelo com essas representantes ficcionais do Belzebu (ou Tinhoso, como a gente diz no Pará).

Alguns elementos em comum entre elas? O desapego aos sentimentos alheios, o apreço por dinheiro, desvios variados de caráter e personalidade – às vezes uma beleza sensual, até. Mas é nas diferenças que elas têm graça, por subverter o jeitão típico do vilão melodramático. Umas são loucas, perdidaças das ideias; outras, perversas, mas muito conscientes do que fazem. São criaturas que, de tão más e, por vezes, caricatas, te fazem pensar se o Sarney é, de fato, a pior coisa que pode aparecer na face da Terra. Aí vão oito exemplos dignos de pena de morte (e de uma boa olhadela no Youtube, também):

Marta (Lilia Cabral)
“Páginas da Vida” (2006)


“Não quero essa, não, tá com defeito!”. Sabe do que a Marta tava falando quando disse essa frase? Não, não era de uma tábua de passar roupa: era de sua neta portadora de Síndrome de Down. Isso diz tudo sobre a personagem da genial Lilia Cabral – uma avó e mãe despudorada, insensível, amargurada, dominadora, frígida e nojenta, que renega a criança logo após a morte da própria filha e tem como única companhia na vida o marido submisso, Alex (Marcos Caruso). Em outra cena emblemática, este lhe dá uns belos tabefes em plena noite de Natal, após saber que ela planejava vender outro neto deles ao pai biológico (!). Sabe o que ela faz em resposta? Dá uma mordida no braço do cara. Nada mais a declarar.

Cristina (Flávia Alessandra)
“Alma Gêmea” (2005)


É o tipo de vilã que salva uma novela lenga-lenga (embora boa). Com sua obsessão em conquistar o ricaço e pomboca Rafael (Eduardo Moscovis) e seu figurino impecável – terninho vermelho-vulcão e cabelo preso –, a loira faz as vezes de “governanta” e braço-direito do botânico enquanto, de todas as maneiras possíveis, tenta queimar o filme da índia Serena (Priscila Fantin) com o cara. É tão, mas tão surtada, que, nessa ordem, causa a morte da própria prima, aprisiona e tenta envenenar aos poucos o amado e, no final, morre num incêndio na mansão que tentou roubar para si.

Clara (Mariana Ximenes)
“Passione” (2010)


Expoente da nova geração de bons atores da TV, Mariana Ximenes chutou o pau da barraca com sua primeira vilã – uma psicopata mais fria que o norte da Rússia, capaz de planejar a morte do próprio “amado”, o italiano Totó (Tony Ramos), só para ficar com sua herança, enganando não só a ele, mas toda sua família. Vítima de abuso e exploração sexual quando jovem, a pseudo-enfermeira acumula um sem-número de crimes na ficha ao longo da novela – e, melhor de tudo, consegue escapar ilesa no final, tomando conta de um idoso ricaço em um paraíso fiscal qualquer, enquanto seu comparsa Fred (Reynaldo Gianecchini) vai para o xilindró, pagando por um homicídio que ela cometeu.

Bia Falcão (Fernanda Montenegro)
“Belíssima” (2006)


Sabe aquela famosa frase “Pobreza pega”? Pois é, imagine Fernanda Montenegro, com toda sua fineza e seus 50 anos de carreira na TV e no teatro, dizendo isso. Mais: imagine Fernanda Montenegro portando uma pistola e metendo bala no próprio genro. Isso é Bia Falcão, a vilã que, entre otras cositas más, conseguiu forjar a própria morte e armar contra a própria filha durante toda a trama de “Belíssima”. Exemplar raro de vilão – aquele que, apesar de tudo, é bem racional e sabe não valer um fio de cabelo –, a personagem marcou época por seu ódio à classe média e aos pobres e por sua capacidade de jogar os bons costumes da terceira idade na lata do lixo.

Silvia (Alinne Moraes)
“Duas Caras” (2007)



Sua franjinha impecável e seu bocão sexy conquistaram o vilão Ferraço (Dalton Vigh) – mas só por um tempo. Quando viu que a loucura da moça era acima do possível, até o homem inescrupuloso, que deixou a mocinha Maria Paula (Marjorie Estiano) na miséria após roubar sua fortuna, saiu em debandada. Com isso, dá para ter uma ideia do caráter de Silvia, a filha da ricaça Branca (Susana Vieira) que se transforma em uma psicopata de primeira ao longo da trama de “Duas Caras”. Ciumentinha no início, a vilã perde as estribeiras e tenta até matar afogado o filho pequeno de Ferraço e Maria Paula, além de se jogar de uma escada para estragar sua festa de aniversário. Adivinha o final dela? Louca e internada, conhece um milionário francês, foge do País e ainda leva a tiracolo seu motorista e amante. Tão previsível...

Flora (Patrícia Pillar)
“A Favorita” (2008)


Na boa? Ainda vai demorar muito para aparecer vilã tão fenomenal no horário das 21h quanto a Flora de “A Favorita” – provavelmente o melhor papel que a excelente Patrícia Pillar já teve em telenovelas globais. Um pano de fundo contextual ridículo – uma dupla sertaneja em que ela era o “lado fraco” –, misturado a uma personalidade invejosa e vingativa, faz com que Flora faça de tudo para destruir a vida da ex-amiga Donatela (Cláudia Raia), mesmo após matar seu marido e passar 18 anos na cadeia. Após reverter o jogo, fazendo o papel de santa, e logo depois ser descoberta, a quarentona sexy vai até o fim em sua ânsia de vingança, tramando contra a vida até de seus comparsas. Cagando e andando para o fim trágico que se lhe projeta no fim da trama policial de João Emanuel Carneiro.

Nazaré (Renata Sorrah)
“Senhora do Destino” (2004)


O famoso “rir para não chorar” da imensurável vilania de Nazaré, antagonista-mor de “Senhora do Destino”, era necessário para conter os ânimos do telespectador politicamente correto. Lembrada até hoje pelo público, a diaba e ex-prostituta sequestrou a filha pequena de Maria do Carmo (Susana Vieira), matou o marido – empurrando-o de uma escada, coisa que fazia frequentemente com outros pobres coitados durante a trama – e fez de tudo para destruir a mãe biológica de Lindalva (Carolina Dieckmann). Cômica até o diabo dizer chega – quem não lembra de vê-la olhando-se no espelho e dizendo “Eu sou um pitel!”, ou chamando o marido de “Josimerda”? –, Nazaré acabou como as demais vilãs da ala psicótica: atirou-se de uma ponte de 90 metros de altura ao ver que não tinha alternativa. Ah, o prazer de viver despreocupadamente...

Laura (Cláudia Abreu)
“Celebridade” (2003)


Ela era chamada pelo amante – um nada convincente Márcio Garcia – de “cachorra”. Não tinha palavra mais apropriada: para infernizar a vida de Maria Clara Diniz (Malu Mader), a celebridade que dá título à novela, Laura vira sua assistente e, aos poucos, começa a destruir a protagonista. Em seu currículo, estão armações, romances tórridos com gente como o mau-caráter Renato (Fábio Assunção), editor de uma revista de fofocas, e até o assassinato do empresário Lineu (Hugo Carvana). Assim como Nazaré em “Senhora do Destino”, a graça de Laura era seu jeitão “sou-bandida-com-orgulho” – até no final as duas se parecem: junto ao amante, a “cachorra” morre no último capítulo. Mas para o público a vingança foi mais cedo, na cena do espancamento dela por Maria Clara - a mocinha a pegou de jeito no banheiro de uma festa, ainda na metade da trama.