sábado, 26 de novembro de 2005

Andrea

A foto já havia sido tirada.Mesmo assim,continuava reunindo suas amigas em um arco perfeito,focando a câmera no centro de forma que nem um centímetro do grupo escapasse da foto.Ela sorria com cada flash,já articulando qual seria o próximo sorriso falso que faria.Pensava em como gostaria de passar o dia inteiro naquela pose,com aquelas roupas e pessoas ao seu redor,e não tivesse que voltar para casa,e lá se deparar com seu reflexo no espelho.
Era inconformada com sua beleza,embora todos os meninos a vangloriassem.Todo artifício que tinha em mãos para se sembelezar utilizava,e isso não se restringe a maquiagens e pingentes.Já tinha feito certas intervenções cirúrgicas para tirar as gordurinhas herdadas da infância,e suas amigas nem sonhavam com isso,admirando-a como uma "privilegiada de corpo".O modelo que seguia e difundia era o ideal para alimentar suas frustrações,ela sabia disso.Talvez por covardia,hesitava em mudá-lo.
Voltou as atenções para a festa.Andrea ainda sorria,mas agora sentada na mesa com as amigas.Taças de vinho e cigarros embalavam a conversa plastificada do grupinho.Ela,lá pelas tantas da noite,olhava o relógio,à espera do motorista.Queria ir embora,mesmo sabendo o que lhe aconteceria quando chegasse em casa,estava cansada.Não enxergava mais as amigas:vultos indistintos eram tudo que via à sua frente,e isso a colocou de volta trancafiada na sua cabeça.Era ela indistinta,exatamente daquele jeito?Vivia sob o efeito de alguma droga,forçada a moldar-se inconscientemente?Será que não estava se descobrindo (como acreditava) , e sim se perdendo mais ainda?
Será que sua vida não era tão estática e tão monocromática como aquela fotografia que haviam acabado de tirar?
Não,não.Aquilo devia ser coisa de porre.Buscou mais um cigarro na bolsa,e acendeu-o,enfiando goela abaixo o pouco de vinho que tinha em sua taça,só para pedir outra ao garçom que passava por perto.A situação piorava,sua cabeça rodava e rodava,e ela via os vultos se multiplicarem à sua volta.Resolveu ir dançar um pouco,curtir a liga.
Essas festas tinham teor semelhante à sua vida.Ela tinha que se divertir.Tinha que beber,dançar,pirar,beijar...se "libertar",nas palavras de suas amigas.Ela tinha que fazer aquilo,invariavelmente,toda sexta-feira,na mesma boate.Aliás,as festas por si só já eram iguais.Só mudavam os rostos que apareciam no clip de 15 anos.Era isso e pronto.Cerca de 8 horas de trabalho semanal,em nome do status que ostentava no círculo de adolescentes transviados da escola.
Andrea estava calada naquela noite...apenas sorria,e deixava os flashes a banharem.Não queria abrir a boca,ao menos ali.Dentro de si,tinha guardada mágoas,pensamentos de relevância,medos,sonhos,desejos...mas quem ali a ouviria?Nunca teve o costume de se abrir com ninguém.Só tinha o espelho para ouvi-la.Talvez por isso,temesse encará-lo.Assim como agora,via que nada sabia encarar sozinha,percebeu que sua face não era digna de ser encarada.
Que ela não era nada.
A dança,caótica,seguia.Os corpos à sua volta,os pensamentos percorrendo sua cabeça em espirais,o vinho exalando na sua pele,o cheiro de maconha no ar,os casais se agarrando pelos cantos,a luz difusa e multicolorida refletida nos olhos distantes.Já não se sentia bem.A certeza de um desespero que crescia dentro de si,uma sensação de deslocamento e frustração indescritível tomaram Andrea.A menina que antes estava de divertindo (ou fingindo se divertir) com as amigas,a que iluminava as fotos da Troppo com seu lindo sorriso,já não estava mais ali dentro.Nem mais um pingo de vontade de estar ali restava.A ficha tinha caído para ela.O passo,porém,tinha se tornardo paradoxalmente firme.As amigas observaram Andrea indo em direção ao pátio e a chamaram.Ela se virou,pediu-as para ficar sozinha e saiu da boate.
Chegando ao pátio,os pensamentos se esvaíram da mente de Andrea,e as sensações acabaram.Restou somente o gosto do vinho na sua boca,e a crescente dor dos pés calejados de tanto dançar.Olhava do pátio as ruas da cidade,vazias em plena madrugada.Olhou a lua,o céu limpo,a fonte d´água lá embaixo,as árvores em volta,a iluminação fraca...aquele ambiente quase teatral à sua volta.Propício.Perfeito.Inevitável.
Olhou para baixo.

José Augusto Mendes Lobato 26/11/05

3 comentários:

Anônimo disse...

Só uma pessoa q viveu por tds as etapas d transição da adolescencia poderia ter escrito com tanta verossemelhança:] Parabéns gutão a cada dia eu me surprendo+ com vc e com a maturidade q vc mostra ter.Superando a maioria das pessoas q tem mais anos d vida do q vc!!!bjosssss

Anônimo disse...

égua primo eu naum sabia da existencia desse teu blog...
adorei!!
adoro teus textos...
soh me sinto meiu inutil perto deles....
=*******

Luiz Mário Brotherhood disse...

é... não somos nada do lado desse próspero escritor, jornalista e compositor.
esse cara nasceu pra isso!

=D