sábado, 28 de julho de 2007

Os Corrêas

A família se apressou toda para chegar a Salinas a tempo. Último fim de semana de julho. A mãe, Márcia, já havia comprado o material escolar dos quatro filhos; o marido, Ulysses, pago todas as mensalidades prévias da escola do Luciano e da Mari, da universidade da Carol, da natação do Luciano, do espanhol, alemão e francês do Pedro, do inglês da Carol, do balé da Mari... enfim, tudo encaminhado. Todo mundo já estava de saco cheio das férias em Belém - 20 dias de trabalho para os pais, 20 de idas e vindas à AP e ao Moviecom para os filhos. Era hora de ir curtir dois dias de praia, ao menos. Os seis e o cocker spaniel da família, Luke.

O estresse já começou na estrada. O cachorro enjoava no carro, e o engarrafamento já tinha rendido um vômito no banco e duas paradas pra dar uma voltinha. O pai fumava muito, o que fazia a família inteira compartilhar fumaça e calor de 35 graus dentro do carro. Haviam saído da cidade às duas, já eram quatro da tarde e mal haviam passado Castanhal. Mari dormia. O celular da Carol não parava de tocar; ela e o namorado brigavam desde a semana anterior.

- Porra, Marcos, eu tou na estrada, caralho! Não quer me esperar, vai pra praia duma vez! - e desligava na cara do menino, que, como posteriormente constatado, estava bebendo sem parar na praia desde quarta-feira.

Pedro, que era um pouquinho mais calmo, conversava com a mãe e lia Schopenhauer no banco de trás do Crossfox verde. Ele bem se lembrava do trabalho que fora comprar aquele carro; Ulysses se endividou todo, não conseguiu pagar as prestações e ainda por cima se enrolou com a conta do celular da Carol. Provavelmente, aquela viagem à Salinas ia ser a última do carro novo, e a família iria devolvê-lo e trocá-lo por um Palio na volta. Na verdade, Pedro odiava Salinas, estava indo só para acompanhar a família. Seu namorado ia ficar em Belém.

Márcia estava inconsolável. Primeiro: descobriu que Pedro era gay no dia anterior. E desconfiava que Ulysses tinha uma amante. Tinha a viagem como esperança para reaproximar a família, que não andava muito bem das pernas desde que Mari nasceu. O clima de férias talvez salvasse o casamento e o brasão dos Corrêa. Resolveu puxar um assuntozinho esperto com o filho preferido:

- Pedrinho, e como vai a faculdade? Em que semestre que você vai entrar agora, meu filho?
- O sexto, mãe...
- Ah, tá, e que matérias você vai ter?
- Umas lá...

Silêncio enjoado. Claro que o pai nunca gostou muito do curso de Filosofia que o filho inventou de fazer. Primeiro, por ter que sustentá-lo até o fim dos tempos. Segundo, porque aquilo era coisa de fresco. Para seu Ulysses, muito afeto à vida e aos costumes militares, Pedro devia ou servir ao exército, ou fazer Direito. Ele nunca se conformou com a delicadeza do filho, notoriamente o mais bonito dos quatro: olhos verdes como os da mãe, cabelos ruivos e cara de ator da Malhação. Sem os músculos e a voz de homem, claro. Ulysses achava estranhíssimo tanta beleza nunca ter trazido uma namorada pra casa; um "desperdício".

- Puta que o pariuuuuuuuuuuu!!! - Márcia berrou quando um ônibus cortou o carro no meio de uma curva e fez Ulysses jogar o carro no acostamento. Baixaram o vidro, mandaram cotocos e fizeram um escândalo com o motorista. Tudo que o barbeiro fez foi mandar um beijo para Carol, a essa hora muito puta com o peso da Mari no seu colo. Ulysses voltou pra pista, acelerou o carro, correu, correu e correu... até chegar no famoso engarrafamento da Nova Timboteua. Culpa daquelas lombadas imbecis.

- Mãe, tem Dramin pra me dar?
- Luciano, a gente já está chegando, meu filho... já te dei no começo da viagem, vê se dorme um pouco!
- Mãe, eu tou com dor de cabeça!!!
- Então o remédio não é Dramin, porra! - e jogou uma caixa de Tylenol nas mãos do filho.

Luciano era o quase-caçula. Mimadíssimo, era uma desgraça na escola, já havia reprovado a quinta e a sétima série, e agora estava em ano de vestibular. Não tinha nem idéia do que fazer. Márcia e Ulysses não tinham mais paciência para tomar conta dele: deixavam tudo, cagavam para tudo e confiavam a tutela de Luciano a Pedro, que era seu único amigo dentro da casa. Ele levava o cachorro, que já demonstrava certa inquietação, no colo.

Apesar de tudo, os Corrêa eram pessoas inteligentes. Carol cursava Psicologia, e já tinha emprego garantido numa clínica famosa da cidade quando se formasse; Pedrinho era cultíssimo, chefe do Centro Acadêmico de Filosofia e querido pelos professores da UFPA; e Mari, do alto de seus três anos de idade, já havia ganho diversas medalhinhas de bom comportamento dos irmãos do Nazaré. Exceto por Luciano, era uma família de responsáveis.

Carol olhava pros pais pelo canto do banco. Márcia rezava um terço ("para proteger a gente nessa estrada cheia de bêbado!"), Ulysses fumava, segurando o volante com o dedinho da mão direita. Eram um casal bonitinho... estavam juntos há exatos 24 anos. Márcia e Ulysses se conheceram em uma roda de fumo na Federal e logo tornaram-se namorados. Casaram-se em Curitiba, quando faziam pós-graduação. O tempo, porém, tirou deles tudo o que restava de porra-louquice e naturalidade, e agora, casados e imersos na enfadonha vidinha a seis, eram estranhos dividindo cama, filhos, contas a pagar e o mesmo psiquiatra. Carol foi quem prontamente endossou a viagem da família; nem lembrava da última vez em que tinham curtido férias; provavelmente, naquela vez para a Disney, quando Mari ainda estava na barriga da mãe...

Voltando à viagem. Eram cinco e meia da tarde, e ainda não tinham chegado a Salinas. Mas que porcaria de feriado era esse, se eles tinham que voltar no domingo de manhã e iam perder um dos dois dias de praia?!? Sem contar a gasolina, as diárias do Hotel... "puta merda", Ulysses pensou, "ao menos a gente não vai se preocupar tanto com os meninos". O Luciano ia ficar na praia com os amigos e, no máximo, tomaria um porrezinho. Pedro ficaria no resort, lendo. A Carol ia grudar no namorado, nas noites do Atalaia. Só a Mari - tadinha da Mari - que ia precisar de atenção. Para Ulysses, a razão maior para a viagem era a caçula de três anos, que não sabia o que eram férias com os pais, longe de babás e cuidados da avó. Márcia e o marido decidiram levá-la à praia, para correr um pouco na areia e largar de mão o uniforme da escola. Mas enfim, né... só se o engarrafamento andasse!!!

Só sabe-se que, às sete, o Crossfox estava exatamente embaixo daquela placa "Bem-vindo a Salinópolis", que fica a dois quilômetros da entrada verdadeira da cidade. Os celulares já não funcionavam, e Mari acordara inquieta com a demora. Luke estava começando a ficar com fome, enfiando o focinho no pacote de remédios de Luciano. Márcia já desistira do terço, e agora lia a Caras da semana.

- Alemão e Siri, juntos no casamento da Flávia... quem diria, hein, Ulysses!

É. Quem diria, sua filha duma égua. Eu aqui, torrando minha gasolina, com um monte de gente que não aguento mais ver a cara, indo pra Salinas só pra fingir que tenho vida social, e tu lendo essa merda aí. Ulysses se assustou: por pouco não pensou isso em voz alta! Não fosse pela Mari, já tinha largado o carro com os três filhos, cachorro e a mulher, e tinha ido encontrar a tal amante em Moscredo. Para piorar, começou a sentir um cheiro horrendo no carro: alguém estava com vontade de cagar!

- Quem quer ir no banheiro aí, pessoal?

Mari estava encolhida num canto, lagrimando. Por debaixo do vestidinho rosa, um fluido marrom escorria e deslizava pelo banco novo em folha do Crossfox. Os irmãos mais velhos começaram a dar risada; Luciano fez menção de vômito, mas logo depois caiu na cargalhada. Luke foi cheirar a cagada. Mari berrou. Márcia começou a chorar. Ulysses pegou o Bom Ar da sacola e deu umas borrifadas pra trás:

- Chegando em Salinas, a gente dá um jeito nisso!

Eles chegaram na cidade cerca de meia hora depois. O Crossfox vomitado e cagado ficou no estacionamento do Privé, numa vaga distante de possíveis olfatos aguçados. A família, exausta, se preocupava em dar água para o cachorro, que viera o caminho inteiro babando e agora mal abria os olhos. Ulysses, cansado, emputecido, com câimbra nos pés e sem cigarro, foi no balcão pegar as chaves do quarto. Mas, que chaves?

- Senhor, nós estamos lotados... você fez reserva conosco?
- Claro que eu fiz reserva, porra! Tenho quatro filhos, um cachorro e a minha esposa comigo, alugamos duas suítes de frente pro mar, inclusive!
- Calma, senhor, que eu vou chamar nosso responsável pelas reservas...

Responsável é o caralho, meu amigo. Dessa vez, Ulysses pensou alto: voou por cima do balcão, e esqueceu das férias tão merecidas. Espancou o pobre recepcionista e quebrou jarros e peças decorativas nele, até que o segurança o conteve, expulsando Ulysses do hotel. Humilhado, ridicularizado, expulso, sentindo as picadas de carapanãs e a raiva lhe subir pelas entranhas diante da exposição ao ridículo, Ulysses literalmente ligou o foda-se.

- Vão à merdaaaaa! Seus filhos duma puta! Caralhooooooooooooooooo!

E saiu correndo em direção à praia. No caminho, tirou a roupa. Primeiro, teve uma crise de riso. Depois começou a espumar. Depois o olho revirou. Depois cagou-se nas calças. Depois, teve uma convulsão; voltou pra Belém de ambulância. Acompanhando-o, só o médico da Unimed e o Luke, intoxicado após comer quase uma cartela de Dramin. Márcia, Pedrinho, Carol, Luciano e Mari ficaram no hotel Privé - sim, o responsável pelas reservas tinha, de fato, reservado os quartos da família, inclusive oferecendo-os de graça devido à confusão com o recepcionista -, curtindo Salinópolis com aquele ar saudoso de quem não imaginava como era a cidade longe do Ulysses.

Como a praia estava muito lotada, passaram sábado e domingo no hotel, à beira da piscina: Márcia e Carol discutindo a gravidez da Carolina Dieckmann; Pedrinho lendo e ensinando Luciano a distinguir socialismo de comunismo; Luciano fumando um e batendo punheta no banheiro, entre uma e outra aula do irmão; e Mari, tadinha... de novo esqueceram da Mari. Ninguém reparou quando a ambulância foi embora pela estrada de volta do Atalaia. Ela quis seguir o paizinho e saiu andando a pé atrás do carro. Está perambulando pela estrada. Provavelmente, vai chegar em Belém antes do Ulysses.

terça-feira, 17 de julho de 2007

Trip

É a máxima de todo velhote de espírito dizer que o mundo corre mais rápido do que a retina é capaz de processar. Soltar esse tipo de comentário geralmente faz as pessoas ao seu redor olharem torto, pensarem que você anda com uma síndrome de saudosismo precoce ou algo do tipo. Mas nossa, que merda, hoje eu vou dormir pensando nisso. E só com dezoito anos na cara espinhenta.

Já tinha ouvido falar nesse tal de Google Earth havia algum tempo, e confesso que, à primeira vista, não senti qualquer atração. Mesmo com os comentários enfáticos da Veja sobre o software – qualquer leitor da revista sabe o quanto é difícil ver os redatores dela empolgados com alguma novidade –, a idéia me passou desapercebida. Além do meu completo analfabetismo turístico, a lentidão do meu computador e a falta de tempo para baixar o programa me afastaram de vez da nova novidade: um programa de computador, capaz de, via satélite, mostrar todas as curvas e nuances do mundo com uma nitidez impressionante. Tudo ao alcance do seu mouse, terráqueo. Coisas do mundo moderno.

A famosa busca no Google me revelou as fontes para um download rápido, eficiente e, vá lá, seguro, do tal programa. Em quinze minutos, o bicho chegou no computador. Em mais cinco, instalou-se. Em mais dez, eu tinha o mundo em minhas mãos. Imagens digitalizadas dos milhões (talvez bilhões, trilhões) de km2 que rodeavam minha vidinha infinitesimal bombearam a tela em questão de minutos. O computador começou a travar, coitado, vai ver ele estava entrando em parafuso junto comigo. Fechei umas janelas e comecei a me aventurar nesta tão peculiar vertente do turismo contemporâneo.

O primeiro passo era procurar a rua da minha casa, claro... todo mundo faz isso no Google Earth. Em alguns segundos, ele achou o cruzamento da Boaventura com a Wandenkolk, e lá estava meu predinho branquelo. Com uma pixelagem satisfatória, dava até para ver os carros estacionados na frente de casa, os cruzamentos e tudo o mais. Só faltava o cheiro de poluição, as buzinas e o arzinho quente. Disque a foto era deste ano mesmo. A primeira coisa que o que vos fala pensou: o que estava eu fazendo enquanto os nerds do Google clicavam a porra da esquina da minha casa?!? Devia estar na faculdade... vamos procurar a faculdade!

Mais uns minutos... pera, que ele tá confundindo a Unama da Alcindo Cacela com a da Br. Isso que dá o programa querer conhecer todas as cidades do mundo, há-há-há! Eu sei mais do que ele, oras. Enfim, mais uns cliques e esperas (o satélite não é tããão rápido assim), e o campus da Unama da Br apareceu pra mim. Verdinho, lindo; provavelmente todo mundo estava torrando debaixo daquele sol fodido, atravessando a passarela numa correria pra não perder a aula de Impresso. Lá de cima dá pra ver melhor a ridiculeza dos nossos centros urbanos.

Não resisti à empolgação: pedi pra ver São Paulo. Ele logo atendeu. Como a cidade é pop, bem mais famosa do que a nossa villa amazônida, em menos tempo estava no meio da Paulista. Ora, porra, e não é que São Paulo também não é grande vista de cima? É uma das maiores, sim, mas é pequena vista de um satélite do mesmo jeito. Lá pela frente do Masp (cubículo vermelho), um sinal cheio de carros, provavelmente fechado. Dava para sentir o cheiro de alcatrão exalando dos cigarros e carros naquela correria danada, dava pra ouvir as buzinas estressadas. Abri um sorrisão... ê, São Paulo! Até tu já virou cartão-postal de nerd!

Agora, o além-mar. Europa, meus queridos; a terra civilizada, onde todo mundo fuma com cinco anos e lê Nietszche no recreio da escola. Portugal era a menina dos meus olhos, junto com a Inglaterra e sua Manchester fumacenta. Visitei os dois e deu vontade de abrir o site da TAM e comprar passagem pro primeiro vôo. Que coisa bonita, aquela malha urbana toda quadradinha, os parques e prédios sem invadir o espaço da natureza. Acendi um Marlboro azul imaginário para entrar no clima e chamei a mãe pra ver. Era aniversário dela.

Procuramos a casa da vovó em Portugal. Achamos. Procuramos o Hospital Metropolitano de Belém. Achamos. Procuramos o hotel falido em que a gente se hospedou uma vez em São Luís. Achamos. Procuramos a Praça Batista Campos. Achamos. Procuramos aquela tal esquina onde ela foi assaltada. Achamos. Procuramos a porra da curva da estrada pra Salinas onde, uma vez, o papai atropelou um cachorro. ACHAMOS.

- Eras, isso é demais pra minha cabeça, como eles conseguiram isso? – mamãe resmungou, indo dormir com aquele mesmo ponto de interrogação na cabeça. Eu disse tchau pra ela e passei, pelo menos, mais umas duas horas na frente do computador, procurando lugares estranhos e inomináveis, como que o desafiando a conhecer tudo e todos. Se digitasse “vão se foder” na busca, ia aparecer alguma cidade com o nome parecido. Uma hora, desisti. O Google venceu! Ele, assim como Deus e o Chuck Norris, conhece tudo e todos. E ainda tira fotos por satélite e sai exibindo por aí. Metido...

É nessas horas que fico pensando no que mais falta acontecer com a nossa ciência. Chegou num ponto em que nada parece impossível. Tudo está mudando, pessoal. Desde as nossas inter-relações até o tráfego de satélites high-tech espaço afora. Está na cara que não somos mais os mesmos de um minuto atrás, e as bilhões de cabecinhas pensantes do mundo já estão pensando em como dar mais velocidade e conforto ao servidor que você usa para me ler. Empresas virtuais estão em alta, e, ao que parece, esse verão promete me mostrar a dor e a delícia dos zilhões de pontos turísticos do planeta. Tudo via Google Earth. Existe de tudo nesse mundo louco e historiofágico em que a gente vive, e conhecerei este tudo com a cara de otário de quem não conhece nada.

Como diria o mestre, são tantas emoções que nem o Jornal Nacional nos põe a par de tudo. É gente clonando bicho, gente mapeando o mundo inteiro com um clique de mouse, gente levando informação ao mundo todo via fibra óptica... acima de tudo, é gente que, a cada dia, é menos sujeito e mais objeto da tecnologia. Não que isso não tenha um imenso saldo positivo. Mas, Deus do céu, se até o turismo, única coisa a qual acreditava ser imutável, também está passando pela mediação da Internet, o que mais falta? Se até o sexo – o sexo! – já é descarnalizado nas webcams por aí, que o diga a aparentemente respeitabilíssima alma dos mochileiros de plantão! Atravessar o mundo de Google Earth é mais seguro – só não esqueça de pagar a conta do seu provedor.

Eu sei, você deve estar pensando “bom, pelo menos não existem alucinógenos online, ora bolas!”. Engano seu. Procure um troço chamado I-Doser na Internet, e descubra o que é ser um drogado sem seringas ou idas ao final da Doca. Eu já usei LSD, “cheirei” e “injetei” um monte de merda à base de fones de ouvido, e achei legal por demais, viajei gostoso sem gastar um puto ou ferir minha consciência. Que nem o Google Earth, que, com seus 15 megabytes e imagens semi-distorcidas, me fizeram repensar em tudo que anda passando pelos meus olhos sem que eu perceba ou sinta. É, rapaz, são as coisas que vamos contar pros nossos netos daqui a uns cinqüenta anos. Nós aqui, nos gabando da tecnologia medieval do século XXI, e eles esperando, prontos para nascer, crescer, derrubar e construir novos paradigmas. Mas, enquanto a hora deles não chega, a gente se fode e se diverte na Era da Informação – ou seria Era do Google? Enfim, tudo está ao alcance do seu mouse, terráqueo. É só clicar e digitar para onde você quer ir. Thank you for flying Google Earth... são as garrinhas do mundo moderno dando as caras mais uma vez.

segunda-feira, 9 de julho de 2007

Cena de Supermercado

Hipermercado 24 horas, lotado. Final de fim de semana. As duas estão há minutos na frente da balança. Uma fica empurrando a outra, encorajando a ir em frente, e a fila atrás delas já começa a inchar – aliás, por quê diabos todo mundo tem essa mania de se pesar no supermercado aos domingos? O sorriso sem rugas das mulheres insinua um nervosismo plastificado.

- Ai, amiga... faz muito tempo que eu não me peso, sabe? Me dá até um medo...
- Menina, vai logo, antes que o povo comece a reclamar dessa nossa enrolação!

Nesse meio tempo, até o segurança do estabelecimento já olha torto pras duas. Uma delas comenta sobre as dificuldades em se pesar sem peso sobressalente, sobre os 500 gramas que ela deve relevar devido às proteses de silicone, sobre o analista que a afastou das balanças, etc, etc. A fofoca já começa a ficar forçada; afinal, estão ali para quê mesmo? Se pesar. E, sacos de supermercado à parte, elas já estão com um certo peso na consciência de ter se metido na fila.

- Mana, te juro... se eu passar dos 48, vou no banheiro vomitar aquela coxinha!
- E eu? Se passar dos 50, juuuro que me jogo da varanda!

Enfim. As duas decidem que a de 48 é a primeira. Pendura a bolsa na amiga, coloca os pezinhos ossudos na balança, dá uma rebolada (“pra equilibrar a balança”)... e berra. 49,753. Desce do aparelho enfurecida, largando farpas para o objeto inanimado, e conclui desde já uma fraude. A balança está louca!

- Impossível! Como, se semana passada me pesei e estava com 48? Não pode... ai, Ju, sobe nesse troço e te pesa pra ver se tá errado também!!!

O povo da fila já começa a dar risada. Um senhorzinho mirrado meio bobo pra vida, daqueles desbocados que têm como desculpa para tudo o Alzheimer, começa a vaiar e berrar: “Putinhas! Putinhas!”. O neto o segura, prendendo riso na mesma hora.
Ju prostrou-se diante do temível medidor de massa. Pensou logo em quanto pedir pro marido de dinheiro, caso passasse dos 50. Sobe com o pezinho – não tão ossudo –, dando uma sacudidela na balança (“só pra equilibrar”). O bom humor já era, e as duas se olhavam nervosamente.

50,648!!! Como, meu Deus?!? Agora era um fato sólido: a balança estava adulterada. Ou era uma conspiração de esteticistas belenenses, ou o supermercado tinha algum acordo com as empresas de produtos light. As moças começaram a dar tapas no aparelho, colocar a bolsa em cima dele e exigir alguém para fazer o tira-teima. O segurança, que já observava aquela cena com certo dó, ofereceu pesar-se; tinha, afinal, feito isso dois dias antes, na mesma balança. A primeira a se pesar deu logo o palpite:

- Tu é até jeitosinho, mas quer ver que ela vai te dar uns 80?
- Senhora, eu peso 84,500... vamos ver no que dá, né?

Voilà. Exatos 84 quilos e 503 gramas. Já tinha gente dos caixas olhando a cena; a fila começava a acumular gente aborrecida, do jeito que o paraense gosta. As duas, diante de uma derrota irrefutável, desceram do palanque e rumaram, furiosas, de volta às compras. Largaram todos os sacos de biscoitos e comida congelada no chão, à mercê dos pedintes (sim, eles já entram nos supermercados para pedir esmola), e foram direto para a fila das sopas e bebidas diet. Ainda preocuparam-se em virar para o pessoal da fila e dizer “Tá adulterada, com certeza! Nem se estressem com o que essa porra disser do corpo de vocês!”. Todo mundo deu de ombros. Para o desespero do neto, o velhinho caduco, no auge de sua sapiência secular e ódio ao materialismo pós-moderno, logo gritou para quem quisesse ouvir:

- Putinhas gordas! Putinhas gordas!

sexta-feira, 6 de julho de 2007

Canapés, Alianças e Copos de Uísque.

Todo mundo em um casamento. Dois casais e um amigo em comum. A noiva era amiga do namorado da convidada, e também prima da outra convidada. O namorado da primeira convidada não conhecia a noiva, nem o amigo em comum. O último entrou de penetra e estava com medo de ser expulso. A prima da noiva foi quem colocou ele pra dentro. O outro casal estava louco pra encher a cara. Enfim. Era quinta-feira, e em julho as quintas-feiras não passam de sábados com menos gente na rua.

Todo mundo emocionado com a cerimônia e tal, e o casal libera comida e bebida. O casal amigo da noiva não tinha jantado, mas preferiu tomar umas antes de comer. E depois. Resultado: meia hora depois do buffet ser servido estavam bêbados, bêbados. O casal e o amigo acompanharam. Os cinco dividiam a pista de dança, a chave do carro e uma carteira de Benson & Hedges. As meninas fumavam escondidas dos holofotes da festa, escoradas nos namorados ou atrás de alguma planta decorativa. A música ia se misturando num funk turvo, engolido por um disco, engolido por um forró... e no mesmo ritmo as figuras entornavam uísque com guaraná, cerveja, Ice e outros drinks de casamento. Estavam algo discretos na massa de convidados, até que alguém resolve começar a falar merda em voz alta.

- Porra, eu quero uma cachaça pura!

Lembrem-se: é um casamento, e as pessoas tendem a beber no auge da emoção de ver a melhor amiga casando. A amiga da noiva se senta com o namorado, e logo os outros três resolvem acompanhar. "Amor, olhá só... a gente dá um tempinho, e depois bebe mais um pouco, tá?". Ela reclama, mas aceita. Os outros três sobem no palco. A essa hora a noiva já está na noite de núpcias. Restam na festa os cinco e alguns familiares que já recolhem presentes e decoração. E, quando já são duas e meia e um deles pensa que já vai embora, eis que a clássica começa a ecoar no salão vazio:

"First i was afraid, i was petrified
Kept thinking i could never live without you by my side..."

Foi o suficiente para que os cinco invadissem de vez o palquinho e resolvessem encenar "Priscila: a Rainha do Deserto" em uma versão urbana e heterossexual (será?). Todo mundo ainda bêbado, falando merda e passando vergonha, até que um lembra que tem trabalho amanhã, que a mãe da outra já tá ligando, que o Dj tá tocando Xuxa e que nem a mãe da noiva está mais. É hora de ir embora.

Não importa o quanto a gente tente negar - e não importa o quanto isso é clichê: o tempo passa mais rápido do que os nossos ponteiros indicam. Temos amigos que já casam a essa altura da vida, leitor; parece que foi ontem que todo mundo entrou na faculdade! E nós, nós ainda temos muitos porres homéricos pra tomar nas festas deles, afinal everybody´s glamourous, never drunk. Que venham mais canapés para encher o bucho, alianças para a nostalgia e copos de uísque... para fazer as quintas-feiras com casamentos de amigos ainda mais inesquecíveis.