segunda-feira, 9 de julho de 2007

Cena de Supermercado

Hipermercado 24 horas, lotado. Final de fim de semana. As duas estão há minutos na frente da balança. Uma fica empurrando a outra, encorajando a ir em frente, e a fila atrás delas já começa a inchar – aliás, por quê diabos todo mundo tem essa mania de se pesar no supermercado aos domingos? O sorriso sem rugas das mulheres insinua um nervosismo plastificado.

- Ai, amiga... faz muito tempo que eu não me peso, sabe? Me dá até um medo...
- Menina, vai logo, antes que o povo comece a reclamar dessa nossa enrolação!

Nesse meio tempo, até o segurança do estabelecimento já olha torto pras duas. Uma delas comenta sobre as dificuldades em se pesar sem peso sobressalente, sobre os 500 gramas que ela deve relevar devido às proteses de silicone, sobre o analista que a afastou das balanças, etc, etc. A fofoca já começa a ficar forçada; afinal, estão ali para quê mesmo? Se pesar. E, sacos de supermercado à parte, elas já estão com um certo peso na consciência de ter se metido na fila.

- Mana, te juro... se eu passar dos 48, vou no banheiro vomitar aquela coxinha!
- E eu? Se passar dos 50, juuuro que me jogo da varanda!

Enfim. As duas decidem que a de 48 é a primeira. Pendura a bolsa na amiga, coloca os pezinhos ossudos na balança, dá uma rebolada (“pra equilibrar a balança”)... e berra. 49,753. Desce do aparelho enfurecida, largando farpas para o objeto inanimado, e conclui desde já uma fraude. A balança está louca!

- Impossível! Como, se semana passada me pesei e estava com 48? Não pode... ai, Ju, sobe nesse troço e te pesa pra ver se tá errado também!!!

O povo da fila já começa a dar risada. Um senhorzinho mirrado meio bobo pra vida, daqueles desbocados que têm como desculpa para tudo o Alzheimer, começa a vaiar e berrar: “Putinhas! Putinhas!”. O neto o segura, prendendo riso na mesma hora.
Ju prostrou-se diante do temível medidor de massa. Pensou logo em quanto pedir pro marido de dinheiro, caso passasse dos 50. Sobe com o pezinho – não tão ossudo –, dando uma sacudidela na balança (“só pra equilibrar”). O bom humor já era, e as duas se olhavam nervosamente.

50,648!!! Como, meu Deus?!? Agora era um fato sólido: a balança estava adulterada. Ou era uma conspiração de esteticistas belenenses, ou o supermercado tinha algum acordo com as empresas de produtos light. As moças começaram a dar tapas no aparelho, colocar a bolsa em cima dele e exigir alguém para fazer o tira-teima. O segurança, que já observava aquela cena com certo dó, ofereceu pesar-se; tinha, afinal, feito isso dois dias antes, na mesma balança. A primeira a se pesar deu logo o palpite:

- Tu é até jeitosinho, mas quer ver que ela vai te dar uns 80?
- Senhora, eu peso 84,500... vamos ver no que dá, né?

Voilà. Exatos 84 quilos e 503 gramas. Já tinha gente dos caixas olhando a cena; a fila começava a acumular gente aborrecida, do jeito que o paraense gosta. As duas, diante de uma derrota irrefutável, desceram do palanque e rumaram, furiosas, de volta às compras. Largaram todos os sacos de biscoitos e comida congelada no chão, à mercê dos pedintes (sim, eles já entram nos supermercados para pedir esmola), e foram direto para a fila das sopas e bebidas diet. Ainda preocuparam-se em virar para o pessoal da fila e dizer “Tá adulterada, com certeza! Nem se estressem com o que essa porra disser do corpo de vocês!”. Todo mundo deu de ombros. Para o desespero do neto, o velhinho caduco, no auge de sua sapiência secular e ódio ao materialismo pós-moderno, logo gritou para quem quisesse ouvir:

- Putinhas gordas! Putinhas gordas!

4 comentários:

Anônimo disse...

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Igor Weis disse...

"Muito peeesooo" o teu texto, Gutão.
Proteja-se na sua redoma, garoto. Tuas palavras devem continuar agradando à ti, e à nós, admiradores dos caminhos que a letras podem guiar.
Grande reflexão!

Qualquer dia, volto por aqui.
Abraço.

Camila Barbalho disse...

Brilhante.

(Estou aplaudindo o meu pc. De pé.)


Há tempos não lia um texto tão leve e, ainda assim, com uma tremenda crítica à pós-modernidade.
Do jeito que eu gosto e bem a tua cara.

E tens certeza de que esse velhinho não é um dos meus disfarces?

Amo tu, Putinho.

Anônimo disse...

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