
Já tinha ouvido falar nesse tal de Google Earth havia algum tempo, e confesso que, à primeira vista, não senti qualquer atração. Mesmo com os comentários enfáticos da Veja sobre o software – qualquer leitor da revista sabe o quanto é difícil ver os redatores dela empolgados com alguma novidade –, a idéia me passou desapercebida. Além do meu completo analfabetismo turístico, a lentidão do meu computador e a falta de tempo para baixar o programa me afastaram de vez da nova novidade: um programa de computador, capaz de, via satélite, mostrar todas as curvas e nuances do mundo com uma nitidez impressionante. Tudo ao alcance do seu mouse, terráqueo. Coisas do mundo moderno.
A famosa busca no Google me revelou as fontes para um download rápido, eficiente e, vá lá, seguro, do tal programa. Em quinze minutos, o bicho chegou no computador. Em mais cinco, instalou-se. Em mais dez, eu tinha o mundo em minhas mãos. Imagens digitalizadas dos milhões (talvez bilhões, trilhões) de km2 que rodeavam minha vidinha infinitesimal bombearam a tela em questão de minutos. O computador começou a travar, coitado, vai ver ele estava entrando em parafuso junto comigo. Fechei umas janelas e comecei a me aventurar nesta tão peculiar vertente do turismo contemporâneo.
O primeiro passo era procurar a rua da minha casa, claro... todo mundo faz isso no Google Earth. Em alguns segundos, ele achou o cruzamento da Boaventura com a Wandenkolk, e lá estava meu predinho branquelo. Com uma pixelagem satisfatória, dava até para ver os carros estacionados na frente de casa, os cruzamentos e tudo o mais. Só faltava o cheiro de poluição, as buzinas e o arzinho quente. Disque a foto era deste ano mesmo. A primeira coisa que o que vos fala pensou: o que estava eu fazendo enquanto os nerds do Google clicavam a porra da esquina da minha casa?!? Devia estar na faculdade... vamos procurar a faculdade!
Mais uns minutos... pera, que ele tá confundindo a Unama da Alcindo Cacela com a da Br. Isso que dá o programa querer conhecer todas as cidades do mundo, há-há-há! Eu sei mais do que ele, oras. Enfim, mais uns cliques e esperas (o satélite não é tããão rápido assim), e o campus da Unama da Br apareceu pra mim. Verdinho, lindo; provavelmente todo mundo estava torrando debaixo daquele sol fodido, atravessando a passarela numa correria pra não perder a aula de Impresso. Lá de cima dá pra ver melhor a ridiculeza dos nossos centros urbanos.
Não resisti à empolgação: pedi pra ver São Paulo. Ele logo atendeu. Como a cidade é pop, bem mais famosa do que a nossa villa amazônida, em menos tempo estava no meio da Paulista. Ora, porra, e não é que São Paulo também não é grande vista de cima? É uma das maiores, sim, mas é pequena vista de um satélite do mesmo jeito. Lá pela frente do Masp (cubículo vermelho), um sinal cheio de carros, provavelmente fechado. Dava para sentir o cheiro de alcatrão exalando dos cigarros e carros naquela correria danada, dava pra ouvir as buzinas estressadas. Abri um sorrisão... ê, São Paulo! Até tu já virou cartão-postal de nerd!
Agora, o além-mar. Europa, meus queridos; a terra civilizada, onde todo mundo fuma com cinco anos e lê Nietszche no recreio da escola. Portugal era a menina dos meus olhos, junto com a Inglaterra e sua Manchester fumacenta. Visitei os dois e deu vontade de abrir o site da TAM e comprar passagem pro primeiro vôo. Que coisa bonita, aquela malha urbana toda quadradinha, os parques e prédios sem invadir o espaço da natureza. Acendi um Marlboro azul imaginário para entrar no clima e chamei a mãe pra ver. Era aniversário dela.
Procuramos a casa da vovó em Portugal. Achamos. Procuramos o Hospital Metropolitano de Belém. Achamos. Procuramos o hotel falido em que a gente se hospedou uma vez em São Luís. Achamos. Procuramos a Praça Batista Campos. Achamos. Procuramos aquela tal esquina onde ela foi assaltada. Achamos. Procuramos a porra da curva da estrada pra Salinas onde, uma vez, o papai atropelou um cachorro. ACHAMOS.
- Eras, isso é demais pra minha cabeça, como eles conseguiram isso? – mamãe resmungou, indo dormir com aquele mesmo ponto de interrogação na cabeça. Eu disse tchau pra ela e passei, pelo menos, mais umas duas horas na frente do computador, procurando lugares estranhos e inomináveis, como que o desafiando a conhecer tudo e todos. Se digitasse “vão se foder” na busca, ia aparecer alguma cidade com o nome parecido. Uma hora, desisti. O Google venceu! Ele, assim como Deus e o Chuck Norris, conhece tudo e todos. E ainda tira fotos por satélite e sai exibindo por aí. Metido...
É nessas horas que fico pensando no que mais falta acontecer com a nossa ciência. Chegou num ponto em que nada parece impossível. Tudo está mudando, pessoal. Desde as nossas inter-relações até o tráfego de satélites high-tech espaço afora. Está na cara que não somos mais os mesmos de um minuto atrás, e as bilhões de cabecinhas pensantes do mundo já estão pensando em como dar mais velocidade e conforto ao servidor que você usa para me ler. Empresas virtuais estão em alta, e, ao que parece, esse verão promete me mostrar a dor e a delícia dos zilhões de pontos turísticos do planeta. Tudo via Google Earth. Existe de tudo nesse mundo louco e historiofágico em que a gente vive, e conhecerei este tudo com a cara de otário de quem não conhece nada.
Como diria o mestre, são tantas emoções que nem o Jornal Nacional nos põe a par de tudo. É gente clonando bicho, gente mapeando o mundo inteiro com um clique de mouse, gente levando informação ao mundo todo via fibra óptica... acima de tudo, é gente que, a cada dia, é menos sujeito e mais objeto da tecnologia. Não que isso não tenha um imenso saldo positivo. Mas, Deus do céu, se até o turismo, única coisa a qual acreditava ser imutável, também está passando pela mediação da Internet, o que mais falta? Se até o sexo – o sexo! – já é descarnalizado nas webcams por aí, que o diga a aparentemente respeitabilíssima alma dos mochileiros de plantão! Atravessar o mundo de Google Earth é mais seguro – só não esqueça de pagar a conta do seu provedor.
Eu sei, você deve estar pensando “bom, pelo menos não existem alucinógenos online, ora bolas!”. Engano seu. Procure um troço chamado I-Doser na Internet, e descubra o que é ser um drogado sem seringas ou idas ao final da Doca. Eu já usei LSD, “cheirei” e “injetei” um monte de merda à base de fones de ouvido, e achei legal por demais, viajei gostoso sem gastar um puto ou ferir minha consciência. Que nem o Google Earth, que, com seus 15 megabytes e imagens semi-distorcidas, me fizeram repensar em tudo que anda passando pelos meus olhos sem que eu perceba ou sinta. É, rapaz, são as coisas que vamos contar pros nossos netos daqui a uns cinqüenta anos. Nós aqui, nos gabando da tecnologia medieval do século XXI, e eles esperando, prontos para nascer, crescer, derrubar e construir novos paradigmas. Mas, enquanto a hora deles não chega, a gente se fode e se diverte na Era da Informação – ou seria Era do Google? Enfim, tudo está ao alcance do seu mouse, terráqueo. É só clicar e digitar para onde você quer ir. Thank you for flying Google Earth... são as garrinhas do mundo moderno dando as caras mais uma vez.
5 comentários:
tudo é mais bonito
visto assim tão de cima
- a distância segura dos homens -
aliás, tive esse mesmo momento epifânico ante-ontem. Curioso, não?
E lá estava EU daqui a 13 anos, quando assisti o lançamento do Google Earth 3D, que com apenas 1 Terabite (mixaria que não ocupa um décimo do seu HD - Disco Heptadimensional) e lhe permite viajar por cada centímetro do mundo sem sair do casulo anti-poluição! É incrível, e em tempo real! Inclusive os desenvolvedores prometeram para o segundo semestre um "patch" que permite ao satélite-câmera-quadridimensional Google de invadir as casas das pessoas!! Não é o máximo? É a tecnologia a serviço da informação! Mas, Ooops, será mesmo isso possível? Ou será apenas um pacote de expansão do Second-or-Third Life?
hehehe, desculpe a viagem, foi inevitável. desisti do Google Earth logo que fui apresentado a ele. Motivo: não consigo pronunciar "Earth"
Ah, e por falar em viagem, atualizei meu blog!! \o/
é amor... é a era da iamgem, da informação, da informática... é a pós-modernidade na sociedade do espetáculo. Loucura!
adorei a viagem, muito bom!!
te amo!
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