terça-feira, 17 de julho de 2007

Trip

É a máxima de todo velhote de espírito dizer que o mundo corre mais rápido do que a retina é capaz de processar. Soltar esse tipo de comentário geralmente faz as pessoas ao seu redor olharem torto, pensarem que você anda com uma síndrome de saudosismo precoce ou algo do tipo. Mas nossa, que merda, hoje eu vou dormir pensando nisso. E só com dezoito anos na cara espinhenta.

Já tinha ouvido falar nesse tal de Google Earth havia algum tempo, e confesso que, à primeira vista, não senti qualquer atração. Mesmo com os comentários enfáticos da Veja sobre o software – qualquer leitor da revista sabe o quanto é difícil ver os redatores dela empolgados com alguma novidade –, a idéia me passou desapercebida. Além do meu completo analfabetismo turístico, a lentidão do meu computador e a falta de tempo para baixar o programa me afastaram de vez da nova novidade: um programa de computador, capaz de, via satélite, mostrar todas as curvas e nuances do mundo com uma nitidez impressionante. Tudo ao alcance do seu mouse, terráqueo. Coisas do mundo moderno.

A famosa busca no Google me revelou as fontes para um download rápido, eficiente e, vá lá, seguro, do tal programa. Em quinze minutos, o bicho chegou no computador. Em mais cinco, instalou-se. Em mais dez, eu tinha o mundo em minhas mãos. Imagens digitalizadas dos milhões (talvez bilhões, trilhões) de km2 que rodeavam minha vidinha infinitesimal bombearam a tela em questão de minutos. O computador começou a travar, coitado, vai ver ele estava entrando em parafuso junto comigo. Fechei umas janelas e comecei a me aventurar nesta tão peculiar vertente do turismo contemporâneo.

O primeiro passo era procurar a rua da minha casa, claro... todo mundo faz isso no Google Earth. Em alguns segundos, ele achou o cruzamento da Boaventura com a Wandenkolk, e lá estava meu predinho branquelo. Com uma pixelagem satisfatória, dava até para ver os carros estacionados na frente de casa, os cruzamentos e tudo o mais. Só faltava o cheiro de poluição, as buzinas e o arzinho quente. Disque a foto era deste ano mesmo. A primeira coisa que o que vos fala pensou: o que estava eu fazendo enquanto os nerds do Google clicavam a porra da esquina da minha casa?!? Devia estar na faculdade... vamos procurar a faculdade!

Mais uns minutos... pera, que ele tá confundindo a Unama da Alcindo Cacela com a da Br. Isso que dá o programa querer conhecer todas as cidades do mundo, há-há-há! Eu sei mais do que ele, oras. Enfim, mais uns cliques e esperas (o satélite não é tããão rápido assim), e o campus da Unama da Br apareceu pra mim. Verdinho, lindo; provavelmente todo mundo estava torrando debaixo daquele sol fodido, atravessando a passarela numa correria pra não perder a aula de Impresso. Lá de cima dá pra ver melhor a ridiculeza dos nossos centros urbanos.

Não resisti à empolgação: pedi pra ver São Paulo. Ele logo atendeu. Como a cidade é pop, bem mais famosa do que a nossa villa amazônida, em menos tempo estava no meio da Paulista. Ora, porra, e não é que São Paulo também não é grande vista de cima? É uma das maiores, sim, mas é pequena vista de um satélite do mesmo jeito. Lá pela frente do Masp (cubículo vermelho), um sinal cheio de carros, provavelmente fechado. Dava para sentir o cheiro de alcatrão exalando dos cigarros e carros naquela correria danada, dava pra ouvir as buzinas estressadas. Abri um sorrisão... ê, São Paulo! Até tu já virou cartão-postal de nerd!

Agora, o além-mar. Europa, meus queridos; a terra civilizada, onde todo mundo fuma com cinco anos e lê Nietszche no recreio da escola. Portugal era a menina dos meus olhos, junto com a Inglaterra e sua Manchester fumacenta. Visitei os dois e deu vontade de abrir o site da TAM e comprar passagem pro primeiro vôo. Que coisa bonita, aquela malha urbana toda quadradinha, os parques e prédios sem invadir o espaço da natureza. Acendi um Marlboro azul imaginário para entrar no clima e chamei a mãe pra ver. Era aniversário dela.

Procuramos a casa da vovó em Portugal. Achamos. Procuramos o Hospital Metropolitano de Belém. Achamos. Procuramos o hotel falido em que a gente se hospedou uma vez em São Luís. Achamos. Procuramos a Praça Batista Campos. Achamos. Procuramos aquela tal esquina onde ela foi assaltada. Achamos. Procuramos a porra da curva da estrada pra Salinas onde, uma vez, o papai atropelou um cachorro. ACHAMOS.

- Eras, isso é demais pra minha cabeça, como eles conseguiram isso? – mamãe resmungou, indo dormir com aquele mesmo ponto de interrogação na cabeça. Eu disse tchau pra ela e passei, pelo menos, mais umas duas horas na frente do computador, procurando lugares estranhos e inomináveis, como que o desafiando a conhecer tudo e todos. Se digitasse “vão se foder” na busca, ia aparecer alguma cidade com o nome parecido. Uma hora, desisti. O Google venceu! Ele, assim como Deus e o Chuck Norris, conhece tudo e todos. E ainda tira fotos por satélite e sai exibindo por aí. Metido...

É nessas horas que fico pensando no que mais falta acontecer com a nossa ciência. Chegou num ponto em que nada parece impossível. Tudo está mudando, pessoal. Desde as nossas inter-relações até o tráfego de satélites high-tech espaço afora. Está na cara que não somos mais os mesmos de um minuto atrás, e as bilhões de cabecinhas pensantes do mundo já estão pensando em como dar mais velocidade e conforto ao servidor que você usa para me ler. Empresas virtuais estão em alta, e, ao que parece, esse verão promete me mostrar a dor e a delícia dos zilhões de pontos turísticos do planeta. Tudo via Google Earth. Existe de tudo nesse mundo louco e historiofágico em que a gente vive, e conhecerei este tudo com a cara de otário de quem não conhece nada.

Como diria o mestre, são tantas emoções que nem o Jornal Nacional nos põe a par de tudo. É gente clonando bicho, gente mapeando o mundo inteiro com um clique de mouse, gente levando informação ao mundo todo via fibra óptica... acima de tudo, é gente que, a cada dia, é menos sujeito e mais objeto da tecnologia. Não que isso não tenha um imenso saldo positivo. Mas, Deus do céu, se até o turismo, única coisa a qual acreditava ser imutável, também está passando pela mediação da Internet, o que mais falta? Se até o sexo – o sexo! – já é descarnalizado nas webcams por aí, que o diga a aparentemente respeitabilíssima alma dos mochileiros de plantão! Atravessar o mundo de Google Earth é mais seguro – só não esqueça de pagar a conta do seu provedor.

Eu sei, você deve estar pensando “bom, pelo menos não existem alucinógenos online, ora bolas!”. Engano seu. Procure um troço chamado I-Doser na Internet, e descubra o que é ser um drogado sem seringas ou idas ao final da Doca. Eu já usei LSD, “cheirei” e “injetei” um monte de merda à base de fones de ouvido, e achei legal por demais, viajei gostoso sem gastar um puto ou ferir minha consciência. Que nem o Google Earth, que, com seus 15 megabytes e imagens semi-distorcidas, me fizeram repensar em tudo que anda passando pelos meus olhos sem que eu perceba ou sinta. É, rapaz, são as coisas que vamos contar pros nossos netos daqui a uns cinqüenta anos. Nós aqui, nos gabando da tecnologia medieval do século XXI, e eles esperando, prontos para nascer, crescer, derrubar e construir novos paradigmas. Mas, enquanto a hora deles não chega, a gente se fode e se diverte na Era da Informação – ou seria Era do Google? Enfim, tudo está ao alcance do seu mouse, terráqueo. É só clicar e digitar para onde você quer ir. Thank you for flying Google Earth... são as garrinhas do mundo moderno dando as caras mais uma vez.

5 comentários:

henrique disse...

tudo é mais bonito
visto assim tão de cima

- a distância segura dos homens -

henrique disse...

aliás, tive esse mesmo momento epifânico ante-ontem. Curioso, não?

Anônimo disse...

E lá estava EU daqui a 13 anos, quando assisti o lançamento do Google Earth 3D, que com apenas 1 Terabite (mixaria que não ocupa um décimo do seu HD - Disco Heptadimensional) e lhe permite viajar por cada centímetro do mundo sem sair do casulo anti-poluição! É incrível, e em tempo real! Inclusive os desenvolvedores prometeram para o segundo semestre um "patch" que permite ao satélite-câmera-quadridimensional Google de invadir as casas das pessoas!! Não é o máximo? É a tecnologia a serviço da informação! Mas, Ooops, será mesmo isso possível? Ou será apenas um pacote de expansão do Second-or-Third Life?

Anônimo disse...

hehehe, desculpe a viagem, foi inevitável. desisti do Google Earth logo que fui apresentado a ele. Motivo: não consigo pronunciar "Earth"

Ah, e por falar em viagem, atualizei meu blog!! \o/

Mayara Luma Maia Lobato disse...

é amor... é a era da iamgem, da informação, da informática... é a pós-modernidade na sociedade do espetáculo. Loucura!

adorei a viagem, muito bom!!

te amo!