sexta-feira, 21 de abril de 2006

Racional?!?

Dia desses, estava a discutir com minha irmã. Aquelas discussões bobas, coisa de família - devo ter esquecido de não encostar naquela latinha de refrigerante que era só dela. No meio da gritaria, minha mãe se meteu no meio e disse:
- Parem com isso, os dois! Discutam como seres racionais.
Devido à moral que uma mãe tem - e apenas devido a isso - me calei na hora. Mas algum tempo depois, me encontrei sentado na sala, resmungando comigo mesmo. Que diabos de argumento fora aquele? Racional?!?
Pensei em cachorros, ovelhas, vacas. No quanto somos mais inteligentes que eles, no quanto nossa racionalidade nos tornou tiranos da cadeia alimentar, no quanto somos "abençoados" por Deus e o Diabo. Depois parei para pensar no que seria a racionalidade propriamente dita. Uma convenção, talvez? Uma forma de autocontrole que se tornava uma prisão emocional quando aplicada em larga escala?
...Uma caverna?!?
Ora, e não é que as coisas faziam sentido? Não podemos gritar, mesmo quando é a única forma de ser ouvido; não podemos expressar o nosso amor, mesmo quando ele é a coisa mais linda que o coração já abrigou; não podemos questionar, mesmo que o mundo que esteja diante de nossos olhos seja apenas um par de lentes cheias de poeira; não podemos sentir ciúmes, mesmo quando ele é provocado; não podemos lutar pelos nossos ideais, mesmo quando estamos sendo bombardeados pela hipocrisia. Ou seja, não podemos ser espontâneos. Senão seremos grossos, sentimentais em excesso, rebeldes sem causa, ciumentos, egoístas, egocêntricos, forçados. Não podemos nem mesmo exaltar o que temos de melhor dentro de nós mesmos, ou seremos "esnobes"! Enfim, o que é a racionalidade diante de tantas presilhas?
...Uma caverna.
E não é mito, meus caros. Naquela tarde, poderia ter feito minha irmã perceber que éramos uma família, e que aquela lata era apenas um objeto de consumo barato, que não deveríamos afetar nossa relação familiar devido a um simples ato impensado de um dos lados. Tudo com apenas um pouco mais de discussão, com uma pequena batalha de vozes e argumentos. Mas a racionalidade me impediu, materializada nas palavras bem-intencionadas de uma mãe. E, mais uma vez, tapou-se o sangramento com um cascão frágil, e nós, os bichos que habitamos a caverna, estamos separados por uma parede de quarto, cada qual para o seu canto, com seus argumentos e suas idéias. Segregados e excluídos um do outro, em prol da estabilidade do lar. À beira de mais um ataque de nervos, leia-se uma breve escapada da redoma de humanidade que nos é imposta. E este é o exemplo mais minimalista que já vivenciei. O autocontrole que acaba sendo por si só um descontrole chega a afetar coisas fora do meu plano, como as relações globais entre os países, as regras sociais, a exclusão, a desigualdade... Mas isso era papo para outra hora. Estava cansado e fui me deitar.
Não consegui dormir. Passei a noite em claro, apreciando as sombras vindas da rua que se projetavam nas paredes do quarto.
Quase me senti preso em meu próprio corpo...

José Augusto Mendes Lobato 16/04/06

terça-feira, 18 de abril de 2006

História Bastante Comum.


Syd era um cara legal. Tocava em uma grande banda, guitarrista e cantor. Ainda escrevia as músicas e era um excelente aluno na faculdade. Tinha grandes sonhos nas mãos. Ser um músico famoso, escrever seu nome na história do rock n´roll, ter família e filhos. Toda a baboseira de um jovem que estava se preparando para entrar no mundo. Certo dia, horas antes de um show em sua cidade natal, descansava (era difícil conseguir descansar) e um amigo seu ligou e lhe ofereceu um artifício para lutar contra o cansaço e a tristeza. Sabia que a vida dele não corria bem: tinha problemas em conciliar a agenda da banda - que crescia a cada show - e a vida familiar andava um caos. O negócio, segundo ele, teria ótimo efeito na hora do show e seria capaz de lhe dar surtos criativos em estúdio. E tudo aquilo de graça! Syd aceitou na hora.
O show correra bem. Não lembra de nada, na verdade, mas sabe que o público adorou seu solo de guitarra de 25 minutos entre duas canções. E só parou porque o baixista lhe deu o aviso de que a casa ia fechar em breve. No outro dia, acordou com uma terrível dor de cabeça, resolvida, segundo o amigo, com um gole de uísque de boa marca. Assim ele adquirira um hábito de alcoolizar-se toda manhã.
Os meses passaram. Mas na cabeça de Syd, o tempo regredia. A cada dia se sentia mais imerso na sua infância mental, a cada dia, mais cores profusas, mais canções de amor, mais luz. Não havia quem o segurasse, para ele o mundo era aquilo, e o momento que se passava já era, por si só, uma memória distante e borrada...os shows? Não se recordava mais deles. Assim, foi ficando para o segundo plano os estudos. Mais aulas perdidas. Largou a faculdade para sair em turnê com sua banda.
Os meses que se seguiram foram o atestado de insanidade progressiva de um jovem de 23 anos. A cada dia Syd parecia perder a noção das coisas que se passavam à sua frente. O seu ar distante começou a prevalecer até mesmo nas apresentações: ele passava mal, muitas vezes sem perceber. Seus amigos de banda já se preocupavam, embora também fossem um tanto inconsequentes. Mesmo assim, seguiam em turnê.
A gota d´água aconteceu numa véspera de Natal. Num acesso de insanidade, Syd acabou destruindo todo seu apartamento e não reconhecia seus colegas de banda. Nem mesmo sua mãe - que foi o visitar no hospital - ele reconheceu. Numa visão médica, ele tinha entrado num quadro de desorientação lisérgica, e sem volta. Em resumo, estava louco.
Teve de sair da banda. Foi internado em um centro, onde vive até hoje, 40 anos após o acontecido. Syd tornou-se artista plástico, conseguindo seu ganha pão ao desenhar o mundo que vê. Arte moderna, diriam os especialistas em arte. Não reconhece seus colegas de banda, que gravaram vários discos de vendagens imensas e agora seguem em carreira solo. Não lembra como se toca guitarra, nem uma expressão se manifesta naquele rosto enquanto pinta seu rosto com tinta roxa e verde, ou quando pinta flores na parede pálida e acolchoada de seu quarto.
Porém, uma lágrima sempre cai de seu rosto quando ouve alguma música de sua banda.
Porém, sempre murmura elas baixinho no chuveiro.

José Augusto Mendes Lobato 18/04/06

História triste, mas real e frequente.
Clichê, eu sei. Mas é ou não é?

sexta-feira, 14 de abril de 2006

Décimo quarto adeus


- Tens um sorriso doce nos lábios.
- Reflete bem minha alma, já dizia o ditado.
Os dois caminhavam lentamente pela rua, deixando a brisa lhes penetrar os ouvidos enquanto a conversa cortava o silêncio noturno. As mãos entrelaçadas não guardavam segredos: estavam entregues, um ao outro, finalmente. Por horas, não trocaram uma palavra sequer. Pisaram em falso no caminho, dançaram por entre becos e esquinas, escorregaram - muitas vezes por efeito do álcool -, sempre dando risadas de si mesmos, tal qual criancinhas brincando depois de uma longa semana de aula. E tudo sem uma palavra. Um "eu te amo" qualquer.
Passado algum tempo, estavam diante da porta da casa da menina. Acabara-se a euforia. O carnaval e a rodinha de samba das onze tinham cedido espaço para a cinzenta manhã que já se anunciava por trás dos prédios de uma Londres vitoriana. Tirou o chapéu do rosto, exibiu para ela a face pálida e lhe beijou a testa. Ela sentiu um imenso frio lhe penetrar o corpo, mas já estava acostumada com a sensação.
- Sabes que te amo.
- Sim. Retornas ano que vem?
- Sim. Vais esperar por mim?
- Sim. Como há catorze anos faço.
As mãos se separaram, e a brisa parou de correr na rua. A música muda, que apenas eles ouviam e sentiam nos lábios um do outro, estava agora por trás das paredes, como sussurros anunciando o início de mais um século em solidão. Mais uma vez, separados. Era mais uma despedida triste de Pierrot e Colombina, de Romeu e Julieta, de Bela e Fera.
De opostos que, um dia, se encontraram por breves eternidades e devem voltar agora ao seu repouso distante.
Vida e morte.

José Augusto Mendes Lobato 14/04/06

segunda-feira, 3 de abril de 2006

Ele nem sabe o porque de estar escrevendo isso...


Ele jura de pés juntos não saber o que sente. Apenas sabe que sente, e que parece sentir ela senti-lo. Não está confuso, pelo simples fato de compreender sua incompreensão. Seus amigos zombam. Sua natureza lhe confere um sorriso ingênuo no rosto, como se nunca tivesse gostado de alguém na vida. Mas ele não se importa. Começa do zero, e sem remorso. Cada segundo que vive ao lado dela é novo, tenta manter o passado a uma distância segura. Mesmo assim, não guarda coisas, boas ou ruins. Apenas vive algo novo, com quem lhe dá o ar de novidade que as pequenas coisas parecem não possuir.
(...)
Será que tão pouco tempo - realmente pouco - poderia ser suficiente para já ter esta tão forte sensação de estar completo? De estar vivendo dias aparentemente perfeitos? Há quem levante a mão, aponte na sua face corada e diga "isso é o mar de rosas do começo... e tudo piora depois!". Há quem se pergunte como ele pode ser tão ingênuo e acreditar que dessa vez vai ser diferente, que ele não vai se arrepender de expor o que sente assim, sem as devidas rédeas que são impostas. Há quem olhe feio - há o passado fitando com malícia por trás das cortinas. Ele continua sem se importar.
(...)
Não, ele não é chato, não é um babão sem limites. É apenas um romântico, idealista, do tipo que acredita no melhor que cada um pode fazer por si - e por ele, por consequência. É um cara à moda antiga, daqueles que ainda pensam em coisas como respeito, sinceridade, carinho...não ouve quando dizem que essas coisas são femininas. Parece ter achado alguém que valoriza isso.
(...)
Ele está sentindo o abraço dela, como há tempos não sentia um abraço. Sente um outro coração batendo acelerado quando a abraça, ouve nos lábios uma melodia doce, quando conversa. Fala bobagem com a convicção de que ela o entende quando há algo a se entender. Tem nas mãos algo novo, algo sincero até segunda ordem, que lutará ao máximo para sustentar. Tem uma conquista por fazer, e até agora, conquistou o que queria. É cedo para dizer que ele está amando. Mas sem dúvidas, é tarde para dizer que ele apenas sente "algo" por uma grande amiga. Ele está gostando dela, no melhor sentido da palavra. Ele gosta disso. Mesmo assim, não entende o porque de querer tanto escrever sobre isso.

José Augusto Mendes Lobato 03/04/06