sexta-feira, 8 de setembro de 2006

O Diário de um Yuppie

Eu preciso acordar. Antes que o mundo comece sua correria cotidiana e me deixe para trás, vou estar de pé! Preciso me olhar no espelho, cobrir as olheiras com um bom óculos escuro, lavar o rosto e escovar bem meus dentes. Tomar um bom banho quente e fumar o primeiro cigarro na mesa do café, família em volta, comendo ovos com bacon e cereais. Um bom hálito faz o dia do homem social.

Preciso tomar sol. Mesmo que minha pele fique ardida, é fundamental aparentar jovialidade. Antes das 9, devo estar devidamente engomado, pegando o carro na garagem. E que seja o que Deus quiser. Que o trânsito conspire ao meu favor, que eu não bata o carro novinho em folha comprado com o décimo terceiro. Preciso ainda deixar os filhos na escola, mesmo sabendo que eles só esperam que eu vire a esquina para sair da escola e acender o primeiro cigarro do dia. São coisas da idade. Preciso entendê-los e ignorá-los.

Preciso me cuidar. Tomar conta da minha pele e do meu corpo, tomar meus remédios na hora certa. Prozac com café preto às sete, sim. Nem pensar em ficar doente. Acordar cedo no outro dia para não atrasá-lo. Preciso almoçar rápido, e de preferência que seja na rua. Jantar num fast-food qualquer, para fechar o dia com a chave de ouro de sempre. Não dá para tomar 4 banhos diários, então que seja um só, e bem tomado. Que eu continue perfumado ao chegar em casa e me deparar com a linda mulher sob meus lençóis. Que ela entenda que eu apenas tive uma reunião emergencial em plena madrugada, e que não roube minha metade da cama.

Preciso ser um bom pai e marido. Ir à missa aos domingos, sorrir para o jornal da manhã e ter sempre filhos sadios. Mesmo que eles estejam assim de quando em vez, e se arrastem dopados pelos cantos da cidade enquanto durmo. E que eu nunca os veja no IML na manhã seguinte. Nem minha mulher grávida de novo. Que Deus me permita – e me perdoe por isto – ter, um belo dia, a vidinha de luxo que sempre sonhei. Que essa família não me custe os olhos da cara, senão fujo com a secretária.

É, eu não dependo de ninguém. Nem a coitada da minha família, nem os coitados meus vizinhos, amigos, amantes, colegas de trabalho, amigos e inimigos. Todos são independentes em tese. Precisam acordar também, olhar-se no espelho e nunca, nunca, sentir-se vazios, inúteis. Eles precisam de si mesmos, para se alimentar a si mesmos, e dar gás à máquina do qual são engrenagens. E que Deus perdoe-os por serem tão focados nas coisas que devem fazer. E que Deus os perdoe por serem tão otários.

E que ele nunca me perdoe. Eu preciso fingir não admitir, oras. Mesmo que sob os efeitos de um convívio social falso, mesmo que vivendo um modelo de vida falido, preciso ser um poço de naturalidade kitsch. Eu preciso dormir tendo a certeza de que o que existe atrás da cortina que me separa da realidade nunca será visto por meus olhos. Eu preciso, acima de tudo, acordar no dia seguinte e nem me lembrar do que um dia já vivi. Só para não chegar à infeliz conclusão de que ainda não sei o que é viver de fato.

José Augusto Mendes Lobato

4 comentários:

Leandro disse...

mas olha, menino, que bonito

Marcelo Ribeiro disse...

Forte teu texto...a vida definitivamente não é isso! Na realidade já perdemos a medida do que é viver, a sociedade já nos impõe regras que são cumpridas pelo senso comum...é isso que me deixa triste...o sistema da mecanização destruir pouco a pouco a beleza de ser humano...

Anônimo disse...

foda, guto. como sempre foda.

Anônimo disse...

cara, esse texto tá A CARA do nome do teu blog...
parabéns velho, muito bom!