quarta-feira, 16 de agosto de 2006

Elègia Urbana


Há quem diga que a vida corre em ciclos. Eu não quero ciclos. Eu quero aprender e desaprender à deriva, andar vendado num campo minado, apalpar o mundo ao meu redor sem cerimônias. Quero ser meu mártir. Culpar-me e glorificar-me por cada mudança que traga na minha vidinha ínfima, por cada pedaço de uma página do livro dos nossos dias que escrever – Eu posso, lentamente, revolucionar. Sim, revolucionar, sem armas ou discursos inflados, apenas com os punhos abertos e os lábios entrelaçados em pensamento. Palavras são armas de ação lenta, mas eternas são diante do tempo.
Quero gritar ao mundo que sou criança. Que entorpecido fui, pela doce ilusão de uma vida sem frieza. Que hoje vivo perdido entre arranha-céus, pensando em quantas horas terei de sobra para me olhar no espelho amanhã. Tenho medo de crescer e ponto de não mais me reconhecer. De incomodar-me e, “adulto”, sofrer. De não mais ter tempo de olhar para mim.
Quero viver com intensidade. Para saber que, caso um dia deixe de ver com meus próprios olhos, aprenda a ver vocês com os olhos da mente. Com as memórias. Não quero passar desapercebido na rua. Quero ser grande, deixar minha marca nesta terra, minhas palavras nos papéis e uns e zeros. Quero deixar meu sangue circular nestes pulsos que, de um ventre amado, tornam-se o gás a circular nas curvas e esquinas das metrópoles.
Quero, enfim, deixar um legado. Sem repetir palavras, sem seguir moldes, sem engolir conceitos; a revolução é um processo sem início ou fim. É um meio, meio de explodir em ódio contido, até, sorridente, deitar com a certeza de que lutou por todos e por si. Que estes lábios sussurrem, em cada ouvido, um pouco do pensamento de uma criança, outrora homem feito, que em mim habita. Que esse mártir do silêncio aqui imposto lhes ensine a, mais do que exclamar, mais do que gritar, estas palavras de fúria urbana sentir.
José Augusto Mendes Lobato 17/08/06

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