sexta-feira, 14 de abril de 2006

Décimo quarto adeus


- Tens um sorriso doce nos lábios.
- Reflete bem minha alma, já dizia o ditado.
Os dois caminhavam lentamente pela rua, deixando a brisa lhes penetrar os ouvidos enquanto a conversa cortava o silêncio noturno. As mãos entrelaçadas não guardavam segredos: estavam entregues, um ao outro, finalmente. Por horas, não trocaram uma palavra sequer. Pisaram em falso no caminho, dançaram por entre becos e esquinas, escorregaram - muitas vezes por efeito do álcool -, sempre dando risadas de si mesmos, tal qual criancinhas brincando depois de uma longa semana de aula. E tudo sem uma palavra. Um "eu te amo" qualquer.
Passado algum tempo, estavam diante da porta da casa da menina. Acabara-se a euforia. O carnaval e a rodinha de samba das onze tinham cedido espaço para a cinzenta manhã que já se anunciava por trás dos prédios de uma Londres vitoriana. Tirou o chapéu do rosto, exibiu para ela a face pálida e lhe beijou a testa. Ela sentiu um imenso frio lhe penetrar o corpo, mas já estava acostumada com a sensação.
- Sabes que te amo.
- Sim. Retornas ano que vem?
- Sim. Vais esperar por mim?
- Sim. Como há catorze anos faço.
As mãos se separaram, e a brisa parou de correr na rua. A música muda, que apenas eles ouviam e sentiam nos lábios um do outro, estava agora por trás das paredes, como sussurros anunciando o início de mais um século em solidão. Mais uma vez, separados. Era mais uma despedida triste de Pierrot e Colombina, de Romeu e Julieta, de Bela e Fera.
De opostos que, um dia, se encontraram por breves eternidades e devem voltar agora ao seu repouso distante.
Vida e morte.

José Augusto Mendes Lobato 14/04/06

Nenhum comentário: