sexta-feira, 15 de junho de 2007

Calor, Frio, Filosofia e Ocidentalismo

"É a chuva chovendo, é conversa ribeira
Das águas de março, é o fim da canseira..."

Psiquiatras afirmam que o frio é um clima introspectivo por natureza. Incita a reflexão, a melancolia, o existencialismo egocêntrico e algumas frescurinhas mais. É o clima da razão, por assim dizer. A Europa, com seus floquinhos de neve e roupas de frio, sempre foi berço da filosofia e das grandes revoluções de mentalidade pelas quais a gente passou. O que está abaixo da linha do Equador... é, é calor. E é pouco pensamento e muita ação.

Eu sei, parece implicância. Mas não é, vou tentar lhes explicar melhor. Já é provado que as condições climáticas afetam nosso comportamento, até demais. Dia desses, me peguei conversando com um amigo sobre essa afirmação dos psiquiatras; a conclusão que tiramos é de revirar os olhos. O calor, enquanto antítese do tal "clima filosófico", é ambiente de extroversão, de fervor corporal, de paixão, ação e primariedade. Encaixa perfeitamente na percepção que temos atualmente da estrutura do mundo. A Europa, fonte da filosofia, antropologia, sociologia, fenomenologia, lógica, metafísica, das ciências exatas, humanas, biológicas e o diabo a quatro que venha da inteligência; versus a América do Sul, fonte de mão-de-obra barata, matéria-prima, morenas tesudas e música popular brasileira. Humanos versus humanóides.

O ambiente em que a gente vive favorece isso tudo. A história que a gente carrega nas costas, de colonização, extrativismo e dependência social e política, só reafirma nosso cantinho na civilização. Primatas que se penduram em cipós e comem (sim, comem) açaí. Que tocam fogo na floresta e se matam por terra. Que têm um presidente semi-analfabeto e um caderno policial nos jornais. Oh yeah, nós somos uns merdas... perdão a parte que lhes toca. E vivemos no calor... o tal clima da "felicidade", que se opõe à frieza dos europeus, o fervor que produz(iria) um povo caloroso, receptivo, otimista e sorridente - com dentes amarelados e barriga vazia. Explorado pelo mundo e motivo de chacota nas rodinhas de conversa.

Realmente, aqui no Brasil, especialmente no Norte, a gente personifica os versos do Tom. A gente passa o final do ano sofrendo com um calor estafante, correndo no meio-dia debaixo do que parece ser o bafo do diabo... e chega na tal "época de chuva" sofrendo com um calor ainda pior, o da evaporação da água no asfalto e do solzinho safado que se insinua por trás das nuvens nubladas. No Nordeste, pior ainda: o calor racha o chão, que diga as cabeças dos coitados que lá vivem. Sudeste e Sul são nossa redenção - mas não esqueça, lá já existe chuva ácida e as temperaturas beiram os 40 graus no verão. É complicado ter veia filosófica em meio à vida corrida e abafada que a gente leva; só nos resta correr, correr o dia inteiro pra ver se alcança o nível de vida dos friorentos.

Despedi-me do amigo, desliguei o computador e olhei pela janela. Um sol esturricante banhava a rua lá embaixo: dava até para ver aquelas distorções no ar típicas de estrada, causadas pelo calor! E depois querem que a gente consiga pensar direito debaixo desse sol... filosofia é coisa de viado, enfiado debaixo de cobertas francesas com uma garrafa de vinho tinto na mão. A gente é cachaça, é dança, trabalho braçal e açaí com farinha - canseira e conversa ribeira até demais, Tom. E não são três meses de chuvisco às duas da tarde, cada vez mais rarefeitos devido ao so-called aquecimento global, que nos vão fazer ser mais reflexivos e menos parasitas do pensamento europeu-ocidental. Rendamo-nos à cultura do fervor amazônida.

quarta-feira, 13 de junho de 2007

Teoria geral das juventudes falidas

Dia desses me peguei pensando sobre a juventude. Ô épocazinha complicada da nossa vida, não é? Pois é, ninguém gosta de se lembrar do número de espinhas pipocando na cara, dos trocentos amores não-correspondidos, das brigas com os pais e das punhetas batidas no banheiro da casa da avó. Dá uma certa vergonha. Mas será que a adolescência é a mesma coisa pra todo mundo? Acho que não.

Eu, por exemplo, tive uma um tanto quanto conturbada. No entanto, feliz. Bebi, e muito. Fumei o primeiro cigarro cedo, com 14 anos. Entrei em coma alcóolico. Conheci o submundo da minha cidade, entre idas ao final da Doca, matinês de filmes trash (com amigos fumando maconha ao meu lado), bandas de rock (já tive três), hospedagens alternadas na casa dos meus pais. Estudei pouquíssimo, e só fui dar valor pra essas coisas, como muita gente, já dentro de uma faculdade - particular. Enfim. Ao menos, não tenho tantas coisas ruins pra lembrar.

Eu e você, leitor, somos exceção. É só olhar pros lados. Tem um flanelinha na frente de uma lanchonete famosa que eu sempre vou, deve ter uns 17 anos. Sempre dou uma moeda pra que ele tome conta do carro da minha namorada. Pela expressão, passa o dia inteiro fazendo isso. Tem um grupo de crianças de doze anos na África, que opera uma Ar-15 melhor que os nossos militares. Geralmente, se alimentam de areia e não passam dos quinze anos. Um pouco mais em cima, tem um bando de adolescentes europeus se drogando, talvez por falta do que fazer. Muito dinheiro, pouca convivência com os pais, um certo tédio... às vezes dá em suicídio. Ou overdose.

Ah! Também temos, logo depois da linha do Equador, os americanos, coitados, que passam a vida estudando sem más intenções e, do nada, levam tiros dentro da sala de aula, invadida por um nerd aborrecido com a vida. Esses são os piores, nem têm chance de lembrar de nada. E, aqui dentro do Brasil mesmo, temos os jovens nordestinos, que não estudam nem comem, e vivem à base de esmolas nas grandes metrópoles - ou do crime. A média de filhos por casal é 5.

É nessas horas que penso, com um certo niilismo: o mundo não está pronto para receber os jovens, não é? Somos empurrados a uma penca de responsabilidades desde a infância. Chegamos à adolescência moldados para ser determinada coisa (nada do que descrevi acima), maltratados por uma cultura violenta e exigente, que pressiona todos a ser de determinada forma, vestir-se de um jeito, comer de outro, falar assim, ouvir assado, etc. Por inércia, alguns vão contra isso. E se dão mal. Os pais não percebem o tormento dos filhos - estão na rua, trabalhando para pagar as contas. Os educadores dão aulas pensando no contra-cheque. Os irmãos, avós e demais parentes estão absortos em suas vidinhas igualmente pré-fabricadas. E aí... aí a molecada se junta pra fazer besteira. E se dá mal.

Dia desses me peguei pensando sobre o futuro de um mundo assim. Onde todos estão cagando para tudo, onde os jovens vivem uma vida fútil e totalmante alheia à que lhes espera fora da redoma que é a adolescência. Ô épocazinha chata, essa nossa tal de pós-modernidade. A gente estuda, sai, bebe, se droga, trepa, mata, morre... e mesmo assim sempre sente que algo está faltando. Os jovens aborrecidos de hoje serão os maníaco-depressivos de daqui a uns dez anos, vivendo à base de café, cigarros e pílulas, fazendo tudo o que há de errado por trás da cortina enquanto alimentam o arcabouço hipócrita da sociedade que os cuspiu.

Você deve estar se perguntando o porquê de todo meu pessimismo. Deixa eu explicar: acabei de fazer 18 anos, e ainda me sinto jovem. Como já falei lá em cima, eu e você, leitor com olhar crítico, somos exceção. Que Deus nos permita ser sempre homens de corpo e moleques de espírito, podendo assim inflar o peito para falar de si e odiar tudo e todos. Afinal, a crítica é a força motriz do mundo.

terça-feira, 5 de junho de 2007

Subjetividade

Sábado à tarde, era o mesmo sol amarelado do qual sempre tivera tanto medo. Tudo tão comum, a mesma sensação de paz, quietude que um sábado confere após uma semana estafante. O animalzinho de estimação estava lá, brincalhão, sorridente. Corria pela casa, arranhando os pés dos seus donos e deixando rastros de água com a patinha molhada. Três meses.

E tudo era brincadeira, enfim. As provas que dali a uma hora seriam feitas sem qualquer esforço, a auto-escola que começava segunda, o ensaio da banda que seria uma terapia, o almoço gostoso com a companhia da mãe, a noite com a namorada e os amigos, a eminência da viagem pra São Paulo... tudo. Onde sempre houvera felicidade, porém, um contratempo tinha que aparecer e colocar a aparente força de espírito em risco. Venceste, acaso.

E quem diria. No meio de uma despedida, um rápido movimento mal-calculado entre cócegas, as mãos soltaram-no; um arranhãozinho de nada foi trocado por uma vida. O bichinho começou a se debater no chão, e o desespero saiu das entranhas, percorreu os caminhos duvidosos do instinto e novamente colocou-me no estado de irracionalidade infantil. Chorei. Corri. Berrei. Tentei reavivar. Clamei. Por fim, o estático. Olhinhos vidrados. Mãe e filho chorando, com um filhotinho de três - três! - meses na mão. Um gatinho vira-lata que trouxe harmonia para a casa.

Os dias que se sucederam foram desafios à parte. A correria do dia-a-dia deu poucos momentos para se pensar no ocorrido. Cigarros fumados na varanda à noite e viagens de ônibus eram exceções. E, seja lá pra onde olhar, vou ver um traço pequeno de culpa no céu amarelado. Nos sapatos, nos potes de água e nas pequenas bagunças que cederam espaço a uma organização artificial. O animalzinho de estimação não está mais lá no quarto, e quem passar por perto percebe que algo está faltando. Agora ando pela casa, com as luzes apagadas e o cigarro em mãos, como que procurando com o que me ocupar e fazer sumir o gosto amargo da culpa. Quem diria. Quem diria.

sábado, 2 de junho de 2007

Mal du Siècle


Desde ontem eu sou o mesmo, mas de onde vim, não posso dizer. Não, não me olhem estranho assim; sou familiar, próximo como poucas pessoas, coisas e entidades já o foram de todo mundo. Não dá pra me reconhecer pela cor dos olhos, pelo jeito com que me visto ou pelas músicas que escuto. São parâmetros vagos demais para uma (pré?)concepção. Vocês devem lembrar, sim, que sou mais humano que qualquer ser de carne e osso.

Hoje me sinto mais vivo do que nunca, refletido nos olhos do mundo. Nos cantos escuros das ruas, nas pequenas coisas que não são aceitas por aí, nas pequenas transformações que os corações e mentes do mundo moderno teimam em ignorar. Estou certo de que todo mundo me conhece... será que você não vai mesmo se lembrar? Nem que ponham um espelho diante da sua cara enrugada? Sou totalitário, invejoso, razão de brigas e oposto à paz. Porém, não sou puramente violência. Ela é conseqüência e nada mais.

De amanhã em diante, serei esquecido - espero. Um dia, vocês hão de recordar de mim como um mal para a humanidade, como um resquício da evolução que impedia certos progressos espirituais. Sou a causa de tudo de ruim que já existiu e existe; desde a crucificação de Cristo, as fogueiras da Idade Média, até os massacres Nazistas, as bombas de Hiroshima, as ditaduras, os embates no Oriente Médio, os sutiãs que tiveram que ser queimados. Toda a História é permeada pela minha ação. Dei uma mãozinha aos imprestáveis, fiz uns sofrerem em vida e outros em morte. Tenho espaço garantido na vida de cada um de vocês, mártires. Sou a desgraça de vocês, tiranos.

Desde sempre, tentaram inventar nomes estranhos para mim. Não me venham com (pré?)conceitos. Basta que, cada um de vocês, saibam o que eu significo. E, acima de tudo, lutem até a morte para se ver livres de mim.

(Fruto de um impasse filosófico aí...)