terça-feira, 5 de junho de 2007

Subjetividade

Sábado à tarde, era o mesmo sol amarelado do qual sempre tivera tanto medo. Tudo tão comum, a mesma sensação de paz, quietude que um sábado confere após uma semana estafante. O animalzinho de estimação estava lá, brincalhão, sorridente. Corria pela casa, arranhando os pés dos seus donos e deixando rastros de água com a patinha molhada. Três meses.

E tudo era brincadeira, enfim. As provas que dali a uma hora seriam feitas sem qualquer esforço, a auto-escola que começava segunda, o ensaio da banda que seria uma terapia, o almoço gostoso com a companhia da mãe, a noite com a namorada e os amigos, a eminência da viagem pra São Paulo... tudo. Onde sempre houvera felicidade, porém, um contratempo tinha que aparecer e colocar a aparente força de espírito em risco. Venceste, acaso.

E quem diria. No meio de uma despedida, um rápido movimento mal-calculado entre cócegas, as mãos soltaram-no; um arranhãozinho de nada foi trocado por uma vida. O bichinho começou a se debater no chão, e o desespero saiu das entranhas, percorreu os caminhos duvidosos do instinto e novamente colocou-me no estado de irracionalidade infantil. Chorei. Corri. Berrei. Tentei reavivar. Clamei. Por fim, o estático. Olhinhos vidrados. Mãe e filho chorando, com um filhotinho de três - três! - meses na mão. Um gatinho vira-lata que trouxe harmonia para a casa.

Os dias que se sucederam foram desafios à parte. A correria do dia-a-dia deu poucos momentos para se pensar no ocorrido. Cigarros fumados na varanda à noite e viagens de ônibus eram exceções. E, seja lá pra onde olhar, vou ver um traço pequeno de culpa no céu amarelado. Nos sapatos, nos potes de água e nas pequenas bagunças que cederam espaço a uma organização artificial. O animalzinho de estimação não está mais lá no quarto, e quem passar por perto percebe que algo está faltando. Agora ando pela casa, com as luzes apagadas e o cigarro em mãos, como que procurando com o que me ocupar e fazer sumir o gosto amargo da culpa. Quem diria. Quem diria.

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