domingo, 5 de fevereiro de 2006


Teve um péssimo susto,o jovem.Acordou num sobressalto,encharcado no próprio suor,apalpando às cegas as paredes em volta.Finalmente,achou o interruptor e o pressionou,ainda com um fiapo de dúvida e ansiedade na cabeça.A luz se acendeu,e,para seu alívio,o quarto - aquele mesmo no qual atravessava os dias trancado - se revelou do breu.Os olhos estavam desfocados e escarlates como sempre,via-os no espelho que ficava em frente à cama,e a expressão de satisfação no seu rosto decifraria,para qualquer um,a cena que ali passara,o garoto saltando da cama,dando gritos sufocados,às cegas na escuridão noturna.Havia tido um pesadelo,e só.
Já de pé,ainda caminhando pelo quarto,como que testando todos os seus sentidos para ver se ainda funcionavam,o garoto tentou se recordar do que havia sonhado.Lembrou-se do silêncio,do breu à sua frente.De sentir o que não via,com imensa e involuntária passividade.Lembrou-se daquela névoa que lhe penetrava a vista,o impedindo de deleitar-se com o ilusório e inverossímil mundo dos seus sonhos.Esteve cego,mudo?Por quanto tempo,não sabe.Mas o que lhe pareceu uma eternidade não foram nada mais do que algumas poucas horas,a se julgar pela posição da lua,que iluminava parcamente o seu quarto.Eram o que,quatro horas da manhã?Deveria estar dormindo.Afinal,amanhã seria um dia e tanto.Mas o sono já tinha se esvaído,e sua mente estava limpa e descansada,como se um sol ofuscante já lhe banhasse o peito.
Forçou-se por alguns minutos,para recordar-se melhor do sonho.O silêncio era,de súbito,interrompido.O jovem estava sendo apalpado por uma jovem moça.Era a sua irmã.Ela chorava compulsivamente,gritando seu nome,pedia para que ele a respondesse.Mas as palavras simplesmente não saíam de sua boca,assim como os gestos que seu cérebro ordenava...o corpo não respondia.O desespero lhe subia à cabeça.Sufocado,ele sentia o ar rarefeito lhe penetrar as narinas involuntariamente,como que sem vontade,apenas mantendo a inércia da atmosfera.Várias vozes desesperadas se juntavam à dela,como um coro.Seus pais,seus irmãos,avós,amigos.A cada um queria dar uma resposta diferente,mas nada conseguia dizer.Era como um espectador,vendo tudo por através de olhos pálidos,dopados.Fracos e inertes diante de tanta vida gritando ao seu redor...
Voltou ao seu quarto.Conseguia ver,agora que seus olhos estavam se acostumando à escuridão,as seringas,as mordaças,as colheres e os frascos jogados pelo chão.Podia sentir o cheiroe a fumaça de horas atrás lhe invadindo os pulmões.E,tal qual uma criancinha amedrontada pelo irmão mais velho,o jovem se encolheu num canto do seu quarto e começou a chorar,a pensar no valor que tinha para os outros.No quanto faria falta ao mundo em que vivia para algumas pessoas,e no quanto não sentia falta de si mesmo.Nem mesmo se lembrava de ser mais do que um amontoado de células moribundas a vagar pelo mundo,enfiando a loucura e a decadência nas veias,tentando descrever aos tropeços um mundo que sabia não existir.Ficou por horas assim,chorando,tremendo e contando as estrelas do céu que iam se apagando,até um solzinho tímido ir tomando o horizonte pouco a pouco.Amanheceu sóbrio,enfim.
Quando a ambulância finalmente parou à porta,o garoto de olhos vermelhos e distantes veio caminhando tranquilamente,apoiado pelos pais e irmãos,sorrindo a todos,lhes dizendo que estaria melhor assim,"não se preocupem comigo,vou ligar todo dia".Pediu para que o visitassem bastante,como se isso já não fosse acontecer.Nem precisou ser forçado a entrar no carro.Deu um abraço e um beijo em cada um da família e sentou-se,sorridente,no banco de trás do veículo.Observou sua casa,pouco a pouco,sumir de vista,e com o mesmo sorriso de horas atrás,deixou o sono finalmente abatê-lo enquanto não chegava à clínica.

José Augusto Mendes Lobato 05/02/06

Um comentário:

Emídio disse...

tomara q ele se recupere logo