“Isso é Belém, isso é Pará, isso é a Puta que o Pariu”, era o nome dela. Tão atual, a crônica! Muita gente diz que as coisas mudam drasticamente em um ano. Ok, eu concordo, mas salvas as devidas proporções. Os governos mudam, os partidos trocam de (o)posição, senador vira governador, ex-governador vira ex-candidato; uns trocam de emprego e/ou faculdade, uns casam, uns morrem, outros nascem; a escola do Quem São Eles concorreu mais dois anos no carnaval belenense, o galpão foi reformado. Mas a mesma atmosfera sufocante de aqui viver, não: essa não muda nunca. Continuo revoltado com o preconceito e a falta de espaço para as camadas culturais que aqui existem. Continuo querendo dar o fora daqui o quanto antes.
Eles – o Torture Squad – voltaram. Sim, e nesse exato momento estão no ápice de seu concerto, levando “metaleiros” estigmatizados ao êxtase (e moradores da vizinhança à loucura) lá embaixo. O que posso eu fazer? Reclamar do barulho? Não, dessa vez não. As coisas mudaram, ao menos para mim. Depois de abrir shows para nomes internacionais do Metal como Dimmu Borgir e lançar-se em novas turnês, a banda retorna à Belém, para novamente fazer o melhor que pode e lutar contra a acústica pífia e a produção inconsequente dada a eles, garantindo um pouco de entretenimento aos jovens amantes do estilo. Nunca que iria me irritar com o show. Simplesmente fechei a janela e ignorei o barulho, sentindo-me um pouco mais humano do que no ano passado. E, respeitosamente, voltei a escrever.
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Sabe... o pior de tudo é saber que os caras não são os únicos a sofrer com isso. Enquanto aqui (e lá fora) só se fala de Joelma, Chimbinha e Tremendão Tupinambá, grupos de teatro e música popular degladiam-se em reuniões com o Governo para conseguir investimentos e patrocínios; cinemas locais resistem para manter-se de pé e abrir suas salas gratuitamente à população, com mostras de exposições e filmes nacionais; barzinhos decadentes pagam uns poucos trocados para músicos frustrados tocarem hits radiofônicos à clientela e a quem mais passar na rua; obras de pintores e escultores ficam expostas em buracos enfiados na Cidade Velha, esperando indefinidamente por um crítico de arte decente que as analise! Esses mártires estão pagando um preço alto, enquanto tentam se sustentar e dar, se não um banho, ao menos um respingo de cultura na nossa mentalidade atrofiada e preconceituosa. E nós... nós deveríamos ao menos aplaudi-los e pagar o convert, não é?
É, meus amigos, é a nossa metrópole com requintes de lugarejo mostrando suas garrinhas afiadas mais uma vez. É Belém do Pará, a mesma puta-que-pariu de um ano atrás, terra-de-ninguém onde artistas não têm o que comer; é a cidade onde jamais criarei meus filhos e netos, a pseudo-metrópole cujos requintes de decadência apagam todas as cores dos cartões postais e transparecem nos sorrisos tortos dos assaltantes. A mesma com a qual, porém, ainda terei mais três anos de convivência pela frente, resmungando calado em um prédio na Doca enquanto pobres cabeludos se empurram dentro de um galpão, tudo ao som da suposta “orquestra do demo”, sem nem sentir os trombadinhas roubando suas carteiras. Ai, ai.
* Quem quiser conferir a tal crônica de um ano atrás, ela está disponível aqui: