quinta-feira, 1 de fevereiro de 2007

Um Papinho sobre Belém


- Me fala um pouco de Belém!

- Cara, Belém é uma cidade sem compromisso. Sem compromisso com a verdade, com a mentira e com o silêncio; sem compromisso com as pessoas, com os animais, com as ruas, esquinas e becos; sem compromisso com ela e com sua própria história, até. É uma traíra, uma desvairada sem face.

"Todo mundo se conhece de vista, mas ninguém sabe o suficiente de si e dos outros; tudo o que fizeres por aqui será recordação coletiva, especialmente se for errado. Fofoca é uma coisa que belenense gosta... e como gosta! Aquele porre que a noiva tomou no casamento da semana passada ficou para a história - junto com os outros quinze que andou tomando, segundo eles. A falácia corre solta como se fosse parte do vento quente que nos abafa. Não confie em todos, embora todos pareçam confiáveis: tem traficante e puta fazendo faculdade, prefeito sem diploma, advogado dando uma de taxista... é um povo estranho, mesmo!"

"Outra coisa que deves saber de antemão: ô cidadezinha violenta. É gente sendo morta e estuprada, cachorro sendo atropelado, árvore sendo podada, arrastão em pleno Círio... nada contém essa fúria urbana que transplantaram pra selva! Se conheceres alguém que nunca foi assaltado por lá, me apresenta. Enfim, a cidade é perigosinha, mas tem um sabor especial. Não há nada mais divertido do que desafiar o toque de recolher dando uma volta pela Doca às três da manhã, ou mesmo indo tomar uma cervejinha com os amigos no bar da Valda - por sinal, há muito pouco o que se fazer por lá, isso já deves saber. Cinemas são ralos - o Moviecom chegou, comprou/faliu a concorrência e agora faz a festa na sua monarquia -, boates são lugar de playboy e o único clube grande da cidade tem um atendimento horrível. Motel bom só tem um, lá na Pedro Álvares Cabral, e Drive-In discreto tem um, perto do Mangal das Garças. E é tudo muito caro. Então, se queres diversão, recomendo comprar comida enlatada e refri de quinta, alugar uns filmes e chamar os amigos pra jogar porrinha."

"Além do mais, Belém é uma cidade de aparências. O casamento dela com o desenvolvimentismo acabou faz tempo, há anos ela vive de um orgulho poeirento. Se pensas que o Teatro da Paz, a Estação das Docas ou o Aeroporto Internacional a resumem, precisas ver ela de pertinho. Tem muita pobreza, nossa! Crianças cuspindo fogo nos sinais e os hippies da Praça da República são nossas especiarias abundantes. Os guardadores de carro também estão dominando o mundo por aqui, ganham mais de 400 por mês fingindo nos vigiar. Os prefeitos e governadores investiram em revitalizar a Cidade Velha, as Docas, os espaços artístico-culturais, a produção local e os projetos sociais e etc. e, vá lá, muita gente ganhou com isso tudo. Mas o retrato de Belém é, em geral, bem mais cinzento do que os cartões postais insinuam."

"Sabe aquele negócio de Belle Époque? Pois é, Belém é a mais mal-acabada imitação da França de 1900 que jamais existiu. Sei lá como, com o tempo os nativos conseguiram dar um ar regional a tantas lajotas importadas e abóbadas neo-renascentistas. Um monte de "iguarias" daqui, como o Tacacá, o Ver-o-Pêso, as índias sensuais e o Círio, venceram a imitação e ganharam espaço mundo afora, e chove turista aqui todo fim de ano. Os coitados, é claro, geralmente voltam para casa decepcionados. Sem pessimismo, o turismo daqui é extremamente material e sem vida; nossa cidade é uma carcaça subdesenvolvida como qualquer outra."

"Quando te falo que Belém não tem compromisso, falo justamente desse lado moleque dela: ela engana, engana como São Paulo enganou os nordestinos na década de 50, ou como o Brasil enganou os mercantilistas sedentos por ouro no século XVI. Talvez seja até vingança, não sei. Só sei que esse choque que provavelmente vais sentir quando fores lá lembra aquele famoso Mito do Platão. A metrópole da Amazônia é só um punhado de sombras emaranhado entre cipós e mangueiras, perdido na selvageria de um país decadente: cabe ao resto dos iludidos sair do escuro e descobrir sua real aparência. Ela não tem culpa de ser o que é, assim como quem vive aos trancos e barrancos nela não a tem... ela é uma desvairada sem face, já disse! Ataca em silêncio."

"Mas olha, se posso dar minha opinião nada parcial, recomendo ela pras tuas visitas ainda assim. Afinal, falando de Brasil, toda visita é uma decepção parcial, seja com o lugar, seja com o país que o abriga. Ao menos, pra ela, já vais preparado. Vem pra Belém do Pará, porque aqui a decepção tem sabor de maniva e as ruas ainda têm pedrinhas por baixo do asfalto. É uma estadia aberta à aventura - sem jacaré e com muita poluição e correria."

- Ahhh, tá...

12 comentários:

Anônimo disse...

“(...) tudo o que fizeres por aqui será recordação coletiva, especialmente se for errado.”
Porra! E como é! Sabe o fulano? Claro que sabe! Pois é, ontem à noite ele fez isso e aquilo...
Pobre de quem tenta se esconder em Belém do Pará. Privacidade é quase inexistente nessa cidade.
Até jornalistas que cá habitam e vestem mantas e capas de seriedade discorrendo de assuntos universalistas como política, colocam nas entrelinhas o que aconteceu sábado passado naquele jantar da “Ruthinha Mariazinha”, esquecendo que anteontem na festa da “Cristininha Marcinha” quem quebrou o barraco foi a esposa dele, com a sua amante! Enquanto isso seus filhos sofrem, mas amanhã tão na suuuper “alegres” na piscina suuuper “society” do famoso clube e lá estão falando desse e daquele que ontem estavam até mesmo num gueto qualquer fazendo isso ou aquilo.
Belém é um a bosta! Se vista deste ponto de vista porque as pessoas são uma bosta.
Vida própria não existe. Nem a frieza paulista tão pouco a fraternidade gaúcha... A fofoca belenense!
Celebramos!
Isso na classe média.
Enquanto isso a classe pobre sofre com fome, falta de saneamento, falta de educação, falta disso, daquilo... Ninguém se importa com a educação infantil, não é do estado, não é da prefeitura, não é do governo federal... matemos essas crianças pobres então! A culpa é delas por terem nascido e de seus pais que insistem em ser pobre e ser orgulham em ver seus filhos vendendo bombons na parada de ônibus.
As faixas de segurança são disputadas entre pedestres, pedintes, “artistas” fomentados em escolas do governo para exaltar a cultura! Viva! Junto com eles, o garoto com paralisia infantil, o outro com câncer e o outro implorando por alguns centavos para comprar o remédio que legalmente deveria ser dado pelo Sistema Único de Saúde. Barato mesmo é estragar dois milhões de caixas de remédios em depósitos, tirar ambulâncias do sistema público e transferir pro meu plano de saúde. Barato mesmo é cheirar cola na frente do Mac Donalds. Isso sim é barato!
Queridos governantes ex-isso, ex-aquilo... por onde vocês andam? Ali na frente do restaurante que tu reservas pra jantar no final de semana dorme uma PESSOA sem a menor condição de sobreviver por pelo menos alguns anos mais. Paisagismo na cidade! Viva! Temos um pórtico em cada beco de Belém... viva! Isso sim é cidade rica!
“minha praça favorita é Batista Campos e aquela outra que reformei..” não andas nem a lazer por essa! Alguém se arrisca a dar uma olhada num dos lagos da praça... os peixes cansaram de se debater e agora apodrecem mortos sem água, em meio de lixo. Garça? Pra queeee?! Bom mesmo é urubu! Mascote mor do cartão postal ver-o-peso antes do photoshop. Viva! Viva o planejamento governamental que acha que um playground é muito mais importante que a memória de um forte. Isso mesmo! Vocês são o máximo! Belém é metrópole porra, que merda de tacacá se a gente tem Big Mac!? Big Mac sim! Porque o açaí agora dá doença de chagas. Deus me livre!
Tão metropolitano esse povo que janta na Pizza Hut e conhece todos lá de dentro.
Super Metrópole da Amazônia! Não te esquece, se quiser lembrar o que é castanheira, não vai ao shopipng não, porque a árvore ocupava vaga de garagem, vai ali no Museu Goeldi e pague por caríssimo R$1, chore pra não pagar porque ninguém precisa mesmo.
Bora é ver o Rainha das Rainhas, isso sim é glamour! Lino Villaventura, André Lima? Porra nenhuma! Belém tem muito mais estilo que isso. Pode procurar em “amizades” de domingo de O Liberal. Viva! O governo assinou carta de incentivo a produção de cinema na cidade! Viva! Só não deixa o rolo de filme em baixo da goteira, porque nossos MULTIPLEX estápassando o “melhore” blockbusters de todos os tempos depois de Titanic.
Belle Epoque! Tempos áureos do Grão-Pará. Pena que aquele Jel não era vivo pra registrar tudo aquilo.. pena muita pena! Por falar em fotos, muito cuidado com fotos nesta cidade. Ilustração de reportagens urbanas. Ô povo badalado! Nada de Paris n’ América, Belém é quase uma Ibiza! Pessoas bonitas e charmosas estão por todo lado, principalmente na Internet. Encontre tudo isso ao vivo... faço esse desafio. Até classificação de mais bonito, mais sensual, mais big brother, mais puta, mais isso, aquilo... tem em Belém.
Tudo tem por aqui.
Se não tiver avisa que já inventamos ou importamos.
Olhares puxados de caboclo por baixo de óculos Gucci direto da fronteira do Paraguai. Cidade Luxuosa a minha!
Lajota portuguesa, cimento de Capanema e mão de obra de Igarapemiri alimentada com farinha de Bragança, só podia dar nisso.
Pura poesia podre com cheiro de manga e dor do caroço caído em cima da cabeça.
Belém é uma cidade linda inspirada pela hipocrisia de todos e alimentada pela mediocridade inspiradora que só a Metrópole da Amazônia pode manter com tanto charme.

Leandro disse...

eu ainda acho que o grande motor propulsor do ser humano é o ócio

ab aeterno disse...

Encontrei esse blog sem querer, o autor desses textos é muito crítico, sagaz, profundo enfim...Blog maravilhoso!
Poucas pessoas possuem um talento como esse, parabéns...É tudo que eu tenho a dizer!

Nicole disse...

queres traduzir em uma frase tudo o que acabaste de dizer? "Belém é uma cidade provinciana..."
Te soa familiar?
ahhaahhahahahaa

Mayara Luma Maia Lobato disse...

provinciana é pouco.. Belém é uma cidade que cresceu, tem todos os problemas de uma grande metróple, mas não perdeu o ar provinciano. Curitiba, por exemplo, tem quase o mesmo número de habitantes que Belém e não existe a falácia que existe nessa cidade de 50 famílias que se "conhecem" e sempre saem nos jornais!

Tal de Mariana disse...

Os problemas que existem em Belém são os mesmos de qualquer outra cidade (brasileira ou não), o que diferencia é a dimensão em que ocorrem. Alguns bem menos e outros excessivamente maiores as outras cidades.
O problema é que morar um mês, um ano em outro lugar, não nos dá os olhos de quem já está acomodado a cidade. Ou seja, chegar em São Paulo/Macapá/Goiana/... sempre será mais positivo do que está em Belém.

Benny Franklin disse...

Lobato: Belem acordou mais cedo e, tem a capacidade impar de acolher intelectuais e mediocres.

(os de fora e os daqui!)

Portanto, a escolha faz a diferença.

Quem bom, amigo, a tua "Redoma de Papel" protege Belem dos idiotas.

Abraços,

Benny Franklin

Lívia Mendes disse...

o anônimo se mordeu!
aahuahuahauia

bjus gutinhoooo
=**

Lívia Mendes disse...

ah sim... apesar de tudo, eu amo Belém, sabes...

Shangri-lá disse...

guto, estás completamente certo em "todo mundo se conhece de vista, mas ninguém sabe o suficiente de si e dos outros; tudo o que fizeres por aqui será recordação coletiva, especialmente se for errado".
é exatamente o que Belém representa. um consciência coletiva sem anda de específico em ninguém!
adorei teu blog tb, cara. vou visitar mais e mais vezes. pode esperar! =D
beijão!

P. disse...

concordo com a tal de mariana. no fundo, td lugar é mt parecido..

Cristiano disse...

Sensacional suas colocações, sua visão e seu esclarecimento, uma pessoa com coragem para dizer a verdade... Conseguiu definir bem o que é Belém. Não sou de Belém, moro aqui há algum tempo e compartinho de sua visão...