segunda-feira, 19 de fevereiro de 2007

No Mundo, na Lua

Andam dizendo que, com o aquecimento global, o efeito estufa, os furos na camada de ozônio e tudo o mais, o temperatura global média subiu cerca de 0,74º Celsius no século passado. Pode ver: de ano em ano, os verões são mais abafados e densos, e os períodos de frio, mais inconstantes e curtos. A tendência é que, em poucos séculos, nosso planeta se torne um lugar inóspito para se viver, calorento, alagado por mares salobros e cheio de gente doente e morta de fome. Por outro lado, os avanços da ciência moderna, as viagens espaciais e as pesquisas em novas formas de se adaptar à vida abriram novos panoramas (leia-se escapatórias) para nós, ó péssimos administradores da biosfera condenados à barbárie.

É aquela velha desculpa esfarrapada: já que aqui não dá para ser, vamos pra Pasárgada. Dadas as atuais condições, parece uma solução plausível. Se nós, que supostamente nos achamos sozinhos na imensidão quântica do Universo e fizemos tudo errado com um planeta – veja só, um dentre tantos outros mil –, estamos arrependidos e amadurecidos, porque não podemos buscar por outros ares e, vá lá, evitar cometer o mesmo erro de novo? Ora, nossos vizinhos intergalácticos que nos entendam! Como não há nada comprovando a existência de outras organizações em sociedade galáxia afora, astrônomos já começaram a estudar as luas de Júpiter, nosso famigerado vizinho Marte e até mesmo uma discretíssima lua que nos aquece nas azuladas noites terráqueas, como possíveis astros habitáveis. E pensar que fazem míseros quarenta anos desde que os russos e os americanos se digladiaram no arcaico sonho de fincar uma bandeira na Lua... agora queremos morar, casar, ter filhos, trabalhar, ver novela, jogar bola, estudar, transar, fazer guerra, acabar com a natureza... tudo por lá!

Os nossos cientistas querem, enfim, transplantar a vida humana para outros planetas, e isso o quanto antes. Deus do céu, como terei saudade da Terra! Mas se ainda estiver vivo na época, confesso a vocês que serei um dos primeiros entusiastas a pagar milhões para me mandar daqui. Vou mesmo. Dormir em uma câmara despressurizada, vendo as novelas da Globo e o Big Brother via satélite, comendo McDonalds em pílulas, com gotículas de Coca-Cola pairando no ar... um verdadeiro astronauta do novo milênio. Vou p´ro espaço sideral, e para lá levarei meus filhos, irmãos e netos, as fotografias dos meus pais e avós, minha guitarra, minhas memórias e meu videogame. E vou passar a velhice por lá mesmo, eu, minha prole e o que restar de mim.

Vou saudar as idas à praia, o pôr-do-sol na beira do Rio Guamá, a barulheira dos carnavais e da vida corrida que seguia até a meia-noite; vou lembrar do calor enjoado que fazia no meu quarto às nove da manhã, das curvas que a fumaça fazia no ar ao se desprenderem de um cigarro, da minha pele bronzeada a contragosto no sol do meio-dia, do sol caloroso do verão que se anunciava todo mês de Julho. Tudo não passará de memória, minha e de toda a gente que comigo quiser ir viver o final de sua vida fria, mas dignamente.

Andam dizendo que, por lá, vai tudo ser igual; pura ilusão. No mundo ou na Lua, na América Latina ou na Estação Internacional, a gente vai fazer as mesmas besteiras de novo; alguém vai arrumar confusão, inventar novos valores econômicos e meios de produção, descobrir um novo combustível, e lá vamos nós explorar o solo, a natureza e as riquezas do novo planeta até a sua exaustão! Sorte a de caras como eu, que irão viver apenas o mar-de-rosas, apenas a fase nupcial da nossa colonização interplanetária. O que mais me dói, porém, é saber que terei uma morte sem dor, despressurizada, mas culposa. Vou morrer assim, triste como nenhum velhinho jamais morreu, apenas por saber que tudo o que eu vivi por aqui meus netos e bisnetos jamais irão viver; Por tudo o que vivi e pelo que lutei não passar de um pontinho azul-escuro e alheio à vida, visto das janelas impermeáveis de uma cápsula qualquer. É, meus amigos, seja no mundo, seja na lua, vamos sempre nos arrepender apenas quando a coisa não tiver mais jeito.

* Créditos à foto: capa do livro "O Mundo é Plano", de Thomas L. Friedman

5 comentários:

Unknown disse...

É verdade Guto, mas quem sabe com esse futuro aquecimento global estarei morando de frente pro mar. Toda tragédia tem seu lado bom.
Gostei muito do teu texto.

Anônimo disse...

puta que pariu, guto.
pára de escrever tão bem assim!

Mayara Luma Maia Lobato disse...

amor, um dos melhores textos que eu já li teu! que perfeito, sério! muito bom, amei! parabéns!

te amo :*.

Anônimo disse...

Muito bom o texto, sempre bom tocar nesse assunto de aquecimento global e tal...
pena q a maioria das pessoas não se sensibilize muito, e até nem acreditem q o q fazemos hj terá consequencias mortais!!
Um abraço minha gatinha linda!
To até pensando em me mudar pro interior do Ceará...
Antonio Conselheiro já dizia...

"O sertão vai virar mar negadaaa!!!"

Igor Belo disse...

Parabens Guto!!! Texto muito bom.......e com certeza só vamos parar pra pensar quando não tiver mais jeito, é o velho dilema de que "só se dá valor quando perde"!!!! Mas infelizmente a nossa "raça" é assim!!! Meus pesames pra nós!!!!! hehehe

abraços!