sexta-feira, 16 de fevereiro de 2007

Status Quo


A tevê denuncia, às oito da noite ou às três da manhã. O tempo todo. Vídeos, reportagens e devaneios jornalísticos são produzidos em larga escala, mostrando a barbárie que domina as favelas e lages. Antes tudo isso se resumisse uma capital bela, megalópole do Sudeste, oásis de um país feioso e sorridente. Antes isso não fosse apenas a ponta de um dantesco iceberg vermelho, flutuando sob nossos narizes remelentos e hipócritas.

Eu vi! E você, viu? Criança de doze anos fumando maconha, criança arrastada no asfalto por criança, trilhas de cocaína na festa natalina do PCC, orgias alucinógenas para quem não tem comida, ladrão-protótipo assistindo à festança, criança, criança e mais criança brincando de pega-pega no meio daquela bodega criminosa. Tudo de uma vez só. Muita, mas muita revolta, por parte dos adultos daqui do outro lado. O Youtube está aí pra quem quiser ver na telinha do computador: o Brasil acordou p´ra vida e se aborreceu! Teve passeata, gente carregando vela em luto silencioso pelas esquinas do Leblon. Os ricos sempre, sempre hão de lamentar a desgraça que ensangüenta as lages dos morros, para depois dormir em seus lençóis engomados e ter pesadelos com os favelados roubando suas casas. E quem há de os culpar por serem realistas?

De tanta angústia e melancolia, desisto de tentar me informar. Entro na Internet, para ver meus e-mails, e vejo o mundo do qual me ausento em meus estudos diários saltar em uma janela pop-up virulenta. É tanta confusão, tanta notícia deprimente, que dá vontade de desligar o computador. Desligo. Aí volto para a televisão, e o noticiário me lembra novamente de que sou brasileiro, e que poucos milhares de passos me separam da “terrinha sem lei”, comandada pelos punhos de ferro do tráfico; poucas horas de avião me separam de sete quilômetros de sangue e pedaços de uma criança, distribuídos pelas ruas charmosas da Zona Norte do Rio. Deus do céu! Antes o episódio fosse um filmeco trash dos anos 80. Antes o vídeo da festinha de Natal do Primeiro Comando não passasse de uma inocente noitada junkie: o que dói é saber que tudo isso é verdade, parte do cotidiano brasileiro, tão meu e seu quanto os calos nos nossos pés ou a cor da nossa pele. Nós somos violência pura.

Permito-me calar a boca e assumir o dolorido: poucas vezes o jornalismo brasileiro foi tão honroso, e olha que eu, como mero aspirante a jornalista, tenho que criticar o atual uso da mídia para ver se consigo enxergar além das telinhas do teleprompter. Mas a verdade é que eventos trágicos como esse devem mesmo ir parar nos ouvidos de cada um de nós; penetrar no nosso íntimo, pincelar nosso imaginário com a gota d´água do descontrole social. Mais do que carregar velas, mais do que pedir pena de morte e redução da maioridade penal, a gente precisa mesmo é mudar. E mudar logo, antes que nossos cemitérios não comportem mais tantas vítimas e mártires de seis anos de idade.

O brasileiro bonachão e encachaçado dos cartões postais já era: agora é um latino cabisbaixo e amedrontado, que mal consegue sair pra dar uma volta de carro às sete da noite sem sentir o perigo à sua espreita. O jornalismo e o boca-a-boca dos pseudointelectuais estão aí para comprovar: ninguém está seguro nesse país de doido! E depois me dizem que a gente não precisa de uma arma debaixo do travesseiro...

2 comentários:

Anônimo disse...

O brasileiro como sempre precisa de um 'bum' pra cair na real. É preciso que uma criança seja arrastada em um carro para que as senhoras deixem de comentar do último capítulo da novela das 8 e os homens deixem de comentar do último jogo de futebol pra falar da violência. E todas as outras crianças que morreram? E os milhões de jovens, adultos, idosos que já foram vítimas de bandidos? Cadê o protesto? Cadê a memória? Se der sorte uma notinha no caderno policial do jornal da sua cidade (ironia mode on).

O brasileiro precisa parar de só reclamar quando vê um caso bizarro na TV. O brasileiro precisa fazer a sua parte. Até mesmo aquele playboy que fuma ocasionalmente um cigarro de maconha no show do Planta e Raíz. Ele não sabe, mas financia o crime organizado. É disso que o país precisa.

Anônimo disse...

ai minha nossa! tao tocante que eu chorei...
UIAHUIhaiuoHAUOIHuoiaia
brincando... mas é isso... todos sabem, todos veem... mas... ninguem faz nada! :/