segunda-feira, 14 de maio de 2007

Sobre Deus e o Dia das Mães

Havia muito tempo em que não ia à missa. O convite da mãe, porém, me pareceu indiscutível. A bichinha gosta que eu vá na capela com ela. Fazer o quê, né - mãe é mãe, e seja no dia das mães ou nos 364 restantes, elas e Deus podem tudo. Aceitei com um sorriso falso e me apressei, já que a missa era dali a cerca de meia hora e tinha acabado de acordar.

Chegamos. A Igreja estava lotada. Toda a nata belenense disputava lugares à beira do altar, trocava gestos à distância, como que comentando entre si: "Oi, tudo bom? Que legal, você também por aqui!", e coisas do tipo. Enfim, não era hora de me aborrecer com colunismo social. Encontrei alguns amigos, e acenei para eles com a mesma expressão blasé, tendo a certeza de que estavam ali pelo mesmo motivo. Apesar do sono, do calor e da vontade de acender um cigarro, o ambiente estava bem legal. Sou católico, e odeio qualquer manifestação pseudo-agnóstica do tipo "odeio missas" e "não preciso de religião". Na verdade, admiro, e muito, quem tem fé, e queria ter ânimo para ir à Igreja todos os domingos. O problema é que, como diz a minha sábia mamãe, a gente não aprende essas coisas em casa ou na escola. Ser religioso depende única e exclusivamente da nossa índole. Eu, segundo ela, preciso de mais uns anos de reflexão para abraçar de vez o catolicismo. Deus a escute.

Músicas muito bonitas, cartas dos apóstolos da Bíblia - alguém aí arrisca dizer que aquele livro não é genial? - e salmos à parte, chega-se na omilia. O padre, um senhor de uns oitenta anos de idade, simpático e querido pela paróquia local, estava gripado. E aborrecido. A vinda do Papa no Brasil despertara nele uma certa fúria conservadora, do tipo que só faz irritar católicos "frios", como eu. Criticou a torto e a direita a tendência dos religiosos ditos modernos a "liberar tudo", a tirar da Igreja seu caráter de contestação ao pecado do mundo e adequá-la aos moldes dos novos católicos, como se a instituição Dele fosse apenas um bando de tiranos com cruzes e dentes de alho nas mãos.

Porra, eu juro que senti raiva daquele senhorzinho tão gente fina e sábio! Tudo bem, a idade faz com que pessoas como ele tenham um certo asco ao mundo moderno, cheio de contraceptivos, jovens grávidas e casais homossexuais, mas... custa ter um pouco de bom senso? A Igreja está perdendo espaço justamente por ser arcaica, e o primeiro passo para recuperar seus fiéis foi dado pelo Papa João Paulo II, que trouxe um ar mais jovial ao Vaticano e, vá lá, até que abriu um pouco mais a cabeça do alto escalão católico. Mas a bobagem que é fechar os olhos pr´o mundo, assim perdendo gente para "religiões" porras-loucas, ainda é cometida por muitos dos nossos padres e freiras - única comunicação direta que nós temos com a nossa religião. E toda a juventude de Belém que estava ali, na missa de dia das mães de uma Igreja de bairro nobre, ia sair de lá com ainda menos vontade de voltar no domingo seguinte.

Com ou sem a vinda do Papa Bento XVI ao Brasil, nossos sacerdotes não podem tomar partido, e soltar farpas contra tudo e todos diante do altar. Além do mais, lembremos que eles falam a uma audiência potencialmente infinita, meus amigos comunicólogos. Falar mal de gays e mulheres não-virgens só porque a Bíblia de dois mil anos atrás o fala é ser infantil. Não respeitar as diferenças - um Direito Humano, com as letras maiúsculas - não é o papel de um transmissor dos ensinamentos de Cristo. Resmunguei tudo isso baixinho, e a minha mãe até concordou comigo às vezes. Alguns dos jovens presentes deviam pensar no mesmo. Minha mãe é jovem também, oras.

Nos ritos finais, ele tornou a tossir. Levantou as mãos pálidas e, antes de dar a benção final, disse: "Lembrem que, se o mundo é cada dia mais cheio de pecado, a Igreja e seus fiéis têm que ser, a cada dia, mais santos". É, padre, eu concordo plenamente com você. O mundo realmente tem muito a aprender com a fé católica. Mas que tal a outra mão do fluxo também existir, e a Igreja saber respeitar a mentalidade e os costumes do novo milênio? Juro que ninguém vai sair machucado, ou vai perder os seus princípios; varrer a poeira, às vezes, cai bem. Saí da missa de bom humor, abraçado com a minha mãe, satisfeito por ter acompanhado ela à Igreja. Elas, assim como Deus, podem tudo. E nós, pobres mortais, devemos seguir nossa vida ouvindo os dois e aprendendo com eles. Eles são os mais sábios, oras.

2 comentários:

Tyara de La-Rocque disse...

Guto José! hehehe

O seu texto não só deu asas a minha imaginação como tb me fez repensar sobre o alto grau de intolerância humana em relação as nossas diferenças. Isso me deixa triste algumas vezes, principalmente por saber q de uma forma ou de outra todos (inclusive eu) entramos nessa lista. Porém, acredito que isso seja reflexo da nossa cultura, que nos diz o que é certo ou errado, bom ou ruim... enfim do que nos foi ensinado. Tb sou uma pessoa que valoriza o cultivo da vida espiritual e não vejo graça em pessoas que acham o máximo em dizer q odeiam religiões. Mas os extremos nunca levaram o ser humano a lugar algum, e a história está aí p nos provar isso. Creio fielmente que Deus antes de tudo, está em nossas ações, na nossa relação com o outro, de respeito, sinceridade e solidariedade. Se cada um fizesse a sua parte,trabalhasse constatemente a reflexão interior, com certeza o mundo seria melhor.

beijo! :*
Tyara- fã de carteirinha dos seus textos...

Camila Barbalho disse...

Pareceu-me um pouco com um tapa sem mão. Na cara da igreja e na minha, pseudo agnóstica que não gosta de missas. E de mães que convidam-nos a acompanhá-las. Maaas eles podem, é bem verdade. Quando Cazuza falou que só as mães são felizes, ele esqueceu os sacerddotes.

No mais, puta ironia. Parabéns.
Amo-te, seu merda escritor ;D