sábado, 1 de agosto de 2009

U2, 360º


Prólogo

A chegada foi conturbada. Pouso em Girona, 30 e sei lá quantos graus do calor seco e insuportável de uma cidadezinha próxima ao Mediterrâneo. Isso depois de duas horas de voo, mais uma hora de trem em Portugal, de madrugada e no frio. Somou-se a isso mais uma hora e meia de ônibus – e engarrafamentos em “vias expressas” mais lentas que a Almirante Barroso – até chegar a Barcelona, o destino final. A meta: deixar as coisas no hotel o quanto antes e correr para o show do U2. Faltava pouco. Foi um dos passeios a pé mais agoniados que já fiz, o da Estació Nord até o hotel em que tínhamos reserva.

Era um prédio pichado e antigo, mas muito confortável, situado no Bairro Gótico. Também, dane-se: conforto para quê? Deixamos as coisas e, sem sequer lavar o rosto ou escovar os dentes, corremos à rua. Dois amigos nos aguardavam com o ingresso em mãos. Descobrimos que, dali até a hora do show, ainda restava um punhado de tempo. Dava para dar um passeio e conhecer um pouco de Barcelona – a charmosíssima capital secundária da Espanha, que nem espanhol fala oficialmente, de tão singular.

Turistas e mais turistas se acotovelavam nas benditas Ramblas – muitos ali estavam pelo mesmo motivo que nós, creio. O céu era irreal, um azul-bebê sem quaisquer manchas nebulosas. A umidade era tão baixa que mal suávamos, mesmo sob os 38º C. Era incômodo, mas tranqüilizava: pelo menos não vai chover à noite. Caminhamos rapidamente pelas ruas apertadas do bairro Gótico, cheias de casarões, muralhas romanas do século IV e lojinhas de souvenires de gosto duvidoso.

A cidade tinha, sim, todos os motivos para nos conquistar – até pelo clima de festa em que estava imersa, em pleno verão. Charmosa, caótica e bem-cuidada, mesmo com a má educação dos turistas, é uma típica metrópole europeia. Mas não era o foco central da coisa, pelo menos ainda não. Já por volta das 16h, rumamos para o metrô mais próximo e seguimos até a estação Collblanc (não esqueço esse nome). Ela ficava na zona oeste de Barcelona, a poucos metros do Camp Nou, o charmoso estádio do “Barça” onde seria a abertura da turnê “360º”.

Havíamos conseguido ingressos promocionais na internet enquanto ainda reservávamos passagens para as férias na Europa, uns 100 euros abaixo do que os cambistas vendiam no dia. Eu e um amigo conseguimos fazer tudo pelo MSN. Tentamos, eu no Brasil, ele em Portugal. Estava no trabalho e arrumei uns segundos para tentar a sorte no U2.com. Consegui quatro lugares (marcados) na arquibancada, logo ao lado do palco. Na pré-venda. Saiu tudo por 55 euros a cabeça. Passamos tudo num cartão e dividimos a fatura. Só de lembrar dos ingressos de 400 reais que muita gente comprou para ver o show deles no Brasil, em 2006, senti um alívio absurdo. Valia, e muito.

Parecia brincadeira, então, olhar para aquele ingresso nas mãos e que faltavam, sei lá, umas quatro horas. Dali em diante, tudo era suportável: a cerveja de quatro euros (12 reais em uma latinha!!!), o calor absurdo, a demora e até a banda de abertura Snow Patrol, que, apesar de bem intencionada, não tinha o peso e intensidade em palco necessários para acalmar as 90 mil pessoas que se acotovelavam no estádio.

O show


Pontualmente às 22h – afinal, eles são da Irlanda... Reino Unido, pontualidade, etc., entendeu? –, eles subiram ao palco. Ainda fazia sol, por conta daquele fenômeno lindo que é o verão europeu; parecia ser umas 17h30, com aquela iluminação amarelada e meio suja que costuma banhar os prédios aqui de Belém (o calor era o mesmo, ou até maior). Estávamos em um lugar até privilegiado, também havia telões em todos os cantos e o palco era naturalmente um círculo (daí o nome da turnê). Para completar, minha mãe levara um binóculo – “só para ver o Bono”, disse ela, enfaticamente. Confesso que fiquei um tanto surpreso ao ouvir os acordes iniciais de “Breathe” ressoarem no estádio logo após a ovacionada entrada de Bono (vocal, guitarra), The Edge (guitarra, teclado), Adam Clayton (baixo) e Larry Mullen Jr. (bateria)... era uma daquelas músicas que não tinham me fascinado em “No line on the horizon” (2009), o novo disco deles. Mas, como é de praxe do U2, aquela canção funcionou bem, muito bem, ao vivo.

Eles são especialistas em fazer isso: experimente ouvir “Mofo”, “Elevation”, “Out of control”, “Zoo station” e tantas outras músicas de abertura de turnê em suas versões de CD; veja se elas têm o mesmo impacto. Não: foram feitas para a performance, para o improviso; são um chamativo para aumentar o calor no palco e a gritaria na plateia. E foi isso que eles conseguiram com aquela cançãozinha simples de três minutos, cujo maior trunfo são os agudos de bono e o ritmo quebrado, cadenciado. Foi aí que caiu de fato a ficha, e eu percebi que realizava um sonho antigo: o de ver esses caras ao vivo, em boa forma e no início de uma turnê megalomaníaca, daquelas que só aparecem de década em década.

Sempre fui do tipo que coleciona tudo o que a banda preferida lança. Tenho praticamente todos os DVDs do U2 – os que faltavam comprei antes do show, nas FNACs de Portugal –, além de uma pilha de discos originais. Só o “Zooropa” (1993) que não tenho em sua versão, digamos, “oficial”. Por conta desse vício saudável, conhecia, minuto por minuto, todos os detalhes de cada turnê deles – a crueza das digressões feitas entre “Boy” e “War”, o exagero estético da “Popmart”, o experimentalismo da “Zoo TV”, o minimalismo da “Elevation tour” e o retorno às raízes com a “Vertigo tour” . Só que, agora, já tinha idade e condições suficientes para encarar vê-los a cores, logo à minha frente. Era o que transcorria ali, diante de meus olhos, naquela calorenta noite em Barcelona. Aquele palco absurdo, aquele telão em 360º que permitia a todos ver o quarteto de perto, aquele exagero de detalhes.

Para o deleite dos fãs mais novos, os U2 usaram do primeiro terço de show para alternar novidades com clássicos que, há tempos, não figuravam em seus setlists. O vai-e-vem de épocas foi inspirado: primeiro a sequência de novidades “No line on the horizon”-“Get on your boots”-“Magnificent”, com esta última levando muita gente ao céu. É, provavelmente, a melhor faixa que o U2 compôs desde “Walk on”. E, ao vivo, soa ainda mais bela que no CD. Em seguida, o megahit “Beautiful day” serviu para trazer muita gente de volta ao chão, só para berrar junto aquele refrão sob a acústica privilegiada do Camp Nou.

Somente aí Bono, com seu habitual carisma e capacidade de fazer-nos sentir na sala de sua casa, resolveu bater um papinho com o público. Disse que adorava Barcelona, adorava começar a turnê por ali e blá blá blá. Seu bate-papo foi cortado pelo dedilhado de “I still haven´t found what i´m looking for”, clássica do “The Joshua tree” (1989) que há tempos não ganhava espaço no repertório da banda. E daí em diante veio uma penca de músicas inesperadas: “Angel of harlem” – que, ao final, ganhou vocalizações de “Don´t stop ´til you get enough”, o hit embrionário de Michael Jackson, em uma homenagem de Bono ao cantor falecido dias antes –, “In a little while”, “City of blinding lights” e até “The unforgettable fire”, a belíssima faixa-título do disco de 1984 que, essa sim, nunca tinha visto em sets ao vivo do U2.


Foi nela e na faixa anterior, “Unknown caller” – uma das melhores do novo CD –, que percebi a dimensão da nova turnê. Antes que essa última fosse anunciada, Bono disse ter em mãos uma surpresa: queria bater um papo com umas pessoas que viam o show de longe, bem longe. E não é que ele falava sério? O telão do palco projetou a imagem dos astronautas da International Space Station (ISS), que assistiam ao show de camarote lá do espaço. Eles bateram papo com a banda, empunhando cartazes e falando de sua rotina. Depois, como se aquilo fosse a coisa mais normal do universo, o grupo tocou “Unknown caller”, “The unforgettable fire” e “City of blinding lights” numa porrada só, sem interrupções para perguntar: “E aí, o que vocês estão achando”? Eu, como as outras 90 mil pessoas que estavam no Camp Nou, fiquei boquiaberto. Realmente não há limite para esses caras...

Daí em diante, foram surpresas atrás de surpresas. Um remix em versão trance deu nova roupagem à bonitinha “I´ll go crazy if i don´t go crazy tonight”, outra das que não me haviam fisgado em “No line on the horizon”. “Sunday bloody Sunday”, “Pride (in the name of love)”, “Walk on” – esta utilizada para a mensagem politizada de praxe dos shows da banda – e “Where the streets have no name” foram a mesma coisa de sempre: lindas e bem apresentadas, com Bono em sua melhor forma vocal, como não se via desde os tempos da “Elevation tour”. E, no meio disso tudo, duas canções que ninguém esperava: “MLK”, aquele interlúdio a capella do CD “The unforgettable fire” (1986), e “Ultraviolet (light my way)”, aquela canção a la Bon Jovi que figura, meio sem quê nem porquê, no disco “Achtung baby”. Tudo milimetricamente pensado, com um errinho aqui e outro acolá, mas nada que quebrasse o ritmo da apresentação.

A parte final da noite serviu para que eu, já rouco e sem forças para ficar em pé – a roupa que estava usando desde a madrugada daquele dia estava imprestável, encharcada –, aproveitasse os assentos marcados da arquibancada. Com “One” e “With ou without you”, o U2 me fez pensar em várias coisas. Na Mayara, que já contava os dias para rever, na viagem que fazia, em que tudo havia dado certo até ali, nos aprendizados e vivências que levava da minha primeira ida à Europa, nos meus planos para o ano que vem... enfim, pieguices que são muito válidas, ainda mais quando inspiradas por dois hits óbvios, porém inevitáveis, daquela turnê-revolução. Acendi o isqueiro e deixei a idiotice de fã me levar junto.

Para encerrar, como já é de praxe desde os tempos da “Popmart”, o U2 se valeu de uma composição cadenciada e, até então, pouco valorizada pelos fãs: “Moment of surrender”. Apesar de não ser lá um destaque do novo disco, ela merecia estar ali. Tem uma das linhas vocais mais difíceis de se executar ao vivo – e Bono fez bonito nela, mesmo após mais de duas horas do show – e um refrão com todo o climão de despedida, bonito como a maioria dos arranjos do U2.

Conforme ela ia chegando ao final, Bono começou a despedir o grupo, dizer que aquela noite fora memorável. Todo mundo estava acabado, incluindo eles. Mas satisfeito de uma forma inexplicável. Saímos do estádio, eu, minha mãe e mais dois amigos, ainda meio extasiados. Nem havia me tocado que “New year´s day”, minha canção preferida do U2 – e, provavelmente, de 80% dos que ali estavam – não havia sido tocada. Mas tudo bem, não tinha problema: já fazia uns 25 anos que Bono tinha de cantá-la umas 60 vezes por ano. Dava para relevar, só dessa vez: eles tinham compensado, e muito. Se reclamasse, perdia a graça.

Epílogo

A volta foi uma porcaria. Fomos esmagados por um mar de gente suada dentro do metrô fétido e apertado de Barcelona, a estação de trem em que faríamos a troca de linha estava lotada, a linha central fechara, tive uma daquelas crises ridículas e vergonhosas de claustrofobia. Caminhamos a pé por umas duas horas naquelas ruas vazias, escapamos de um assalto (tenho certeza!), perdemos a direção no mapa. E, por fim, após desistir de procurar táxi, pegamos um ônibus na Plaça de Espanya – lugar sombrio, mas charmoso – para chegar ao hotel. Fumamos aquele cigarrinho sagrado na varanda, com a vista para o Bairro Gótico. Ainda tinha um mar de gente nas ruas.

No dia seguinte, acordei cedo e fui passear pela cidade com minha mãe. Fizemos um city tour bem fast-food, daqueles com direito a ônibus colorido e fonezinho de ouvido com músicas tradicionais. Passamos rapidamente pelos pontos turísticos, conhecemos as (centenas de) zonas da cidade e, por fim, demo-nos a oportunidade de caminhar calmamente pela área próxima ao hotel – minha preferida de lá, de longe. Ah: compramos o jornal e lá estava uma foto do show estampada na capa. A manchete do dia eram eles.

Depois almoçamos, pegamos ônibus para o aeroporto de Girona, brigamos com os funcionários da Ryan Air à hora do check-in, fomos obrigados a pagar uma taxa inexplicável (vamos pedir o reembolso!). Discuti com a gerente, primeiro em espanhol, depois em inglês (tinha perdido a paciência para me enrolar falando); ela riu da minha cara, disse que teríamos de pagar, senão não iríamos embora da Espanha. Depois de uma hora e meia de voo – horrível, por sinal – chegamos de volta ao Porto, em Portugal, pegamos um metrô de superfície rumo à estação de trens intermunicipais, chegamos à estação São Bento, esperamos mais um pedaço de hora, pegamos o “comboio” para Aveiro... e chegamos em casa. Lá pelas 22h.

E quer saber? Valeu a pena todo esse trabalho.

5 comentários:

Luiz Mário Brotherhood disse...

uiaehuiaehae

egua da aventura! bora ver como vai ser a minha

(eu leio teus textos e nem sinto... vai embora)

F.Sanches disse...

Guto, seu viado, até parece que tu anotaste o setlist.. hahaha.. colaste de algum lugar, que eu sei.

Mesmo assim, está muito louco. Pela primeira vez li um dos "textinhos" do teu blog. Li mesmo, por inteiro. E está muito bom. Só cortaria a primeira parte. Entraria pela sub..heheh.. só pra não perder o costume.

Cleidiane Silva disse...

Seuuuu merdaaaaa. Já posso te matar? Carai véi, li teu texto e tive crises de arrepio. PQP, muito muito booooom! Ainda vou assistir U2. Na Irlanda. Não liga pro Sanches, ele tá com invejinha. Pow cara, é o tipo de experiência q tem q ficar registrada. #FATO.

Mayara Luma Maia Lobato disse...

oi meu amoor! tbm fiquei arrepiada em alguns pedaços. Parabéns! são mesmo experiências únicas na nossa vida, temos que agradecer aos céus por conseguir vivê-las. Te amo demais. Nos próximos estaremos juntos, em Portugal ou em SP.

Mil beijos meu amor

Anônimo disse...

Mamis e papis acabaram de voltar da Zoropa e disseram que Barcelona é linnddaaa e tb calorenta.
Não sabia que iutchu era tua banda predileta... pensei que fosse New Order, hoho

=*