sexta-feira, 28 de julho de 2006

O Livro dos Dias

Primeira linha, primeira página.
Você pensa em tudo que fez ultimamente. Não é exatamente um diário que quer fazer, mas uma espécie de confessionário descartável individual. Aquelas folhas vão voa da sua janela mais tarde, você sabe disso.
Como tudo o que tem em mãos.
Pela primeira vez em meses, você sentiu aquele medo. Aquela insegurança que - espera - não tenham percebido. Que sensação de vazio! Você não completa a vida de ninguém. Quando um garoto, costumava dizer que o livro de seus dias era escrito em linhas que nunca se cruzavam com as de ninguém.
Agora tem a prova viva de que elas se cruzam,
mesmo que para se separar.
(Desista dessa primeira página.)
*
Primeira linha, segunda página,
Você tenta dar palavras a um silêncio que teima em persegui-lo. Não é mais uma criança, e deve aprender a conviver com diferenças, mesmo que elas sejam cortantes. Existem coisas que devem se manter em silêncio! É cíclico. Quanto mais tenta quebrar o vácuo, mais aprende a conviver com ele.
E o que tens em mãos, afinal?
Uma folha, que vai voar pela janela, virar uma bolinha, algo assim...
Cheia de coisas que gostaria que soubessem.
Cheia de coisas que só você parece sentir.
*
Passa horas escrevendo, como que tentando se aprisionar ali, se sentindo especial e único no tempo e no espaço, mesmo que por um simples minuto. Tentando acreditar no que lhe dizem, nas palavras que nunca, nunca deixaram de ser apenas palavras. Cheias de pomposidade, mas sempre palavras...
Não consegue ver, rapaz? Hoje é seu dia de mudar esse livro, trocar sua letra, a tinta com que escreve, e tentar dar um pouco de cor aos segundos que, mais tarde, voltam à primeira página e finalmente deixam de ser segundos.
Tornam-se momentos. Coisas só suas, que serão memória mais tarde, e lhe darão o conforto de quem lutou até o último segundo.
*
Última linha, última página,
Eu não consigo mais me sentir feliz comigo mesmo.
*
José Augusto Mendes Lobato
28/07/06

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