quinta-feira, 6 de julho de 2006

Wave

Já pensei várias vezes em como a vida pode não ser a sucessão de dias em que "deixamos estar". Com os pensamentos aéreos assim, achei lembranças empoeiradas em uma estante qualquer e comecei a caminhar, sonâmbulo, pelo quarto, lendo as entrelinhas da minha pessoa. Aquelas que estavam suspensas no ar, se desprendendo do papel como partículas de mofo que esperavam ser libertadas.
Meu Deus, como eu cresci! Nem acredito que eu era aquele que temia o ano que estava por vir, o dia em que colocaria meus pés no asfalto. É engraçado lembrar de como já temi as coisas mais exdrúxulas. Recordo-me de dias lisérgicos, regados a cerveja e vinho, onde pensava comigo mesmo:"E se hoje for meu último dia? Será que estou aproveitando ele?", e dava risada da minha própria insegurança. Depois que me acordava sentia, então, a sensação de quem jamais tinha aproveitado o último dia sob os covardes lençóis do entorpecimento. Mas o mundo e sua selvageria esperariam o outro dia? Não! Bastava estar no lugar errado, na hora errada, e adeus, garoto. Viraria alimento para a terra, ninguém saberia de suas desventuras e de suas possíveis premonições da morte iminente. Que triste.
Não adianta ter medo das coisas. Evitar a sucessão de momentos de prazer - consequentemente, e não, causalmente, de risco - em nome de uma tal segurança não impede o individio de se ferrar, se for este o parecer final do acaso. Cada batida de seu coração deveria ser um passo adiante; cada carpe diem cuspido de uma boca por impulso deveria ser uma atitude de paz interior; cada grito contido em um sorriso deveria ser o pulsar de veias histéricas a bombear sangue na face franzida. Enfim, cada segundo de uma vida com letras maiúsculas deve se tornar algo intenso e acíclico, livre de sucessões monótonas, de ponteiros métricos caminhando num círculo numerado.
Conhece o ditado de viver cada dia como se fosse o último? E o de contar a vida em momentos, não em segundos? Pois é. Esses clichês da vida cotidiana que ninguém ouve, foram justamente as partículas de poeira literária que saíram dos meus cadernos empoirados, como mensagens póstumas de um garoto frustrado, que agora chegam às mãos de um quase-adulto, dono, por sua vez, de um sorriso no rosto que não mais é fachada de nada, e sim reflexo. Caminhando por entre estantes fictícias no meu quarto, em uma noite comum e desprovida de luar, descobri que não paro de mudar. Nunca fui o mesmo por mais do que três dias, nem nunca o serei. Se agora não temo as ruas e o asfalto, temo os edifícios e os ternos engomados de daqui a quatro anos. Leia-se: continuo temendo o mundo selvagem de outrora, só que agora ele é caoticamente frio. Ah, pedacinhos de lembranças, espero que o vento não lhes leve embora... gostei de me lembrar do quanto as coisas podem ser difíceis para um garoto, e do quão pouco elas podem significar no futuro. E do quanto sou idioticamente reflexivo.
"Se pegar as mãos e fechá-las dando uma volta em torno de si, você vai pegar pedacinhos de você que se desprendem no ar", um professor de histologia arrisca dizer.
Quem há de arriscar dizer que a minha alma também libera fragmentos com o eterno tic-tac dos momentos que se sucedem?

José Augusto Mendes Lobato 06/07/06

Um comentário:

Marcelo Ribeiro disse...

Seria uma razoável explicação praquele dito de que a cada instante estamos mudando...