segunda-feira, 8 de janeiro de 2007

Duo.


Há quem venere as cidades, com toda a sua imensidão de concreto, com seu calor físico e seu espírito gélido, que circula entre as esquinas, becos, corações e almas, que nos toma pelas mãos e nos traga tal qual cigarro, em seu ritmo urbano, suntuosamente ininterrupto e caótico. Uma parte de mim odeia tudo isso. A outra se fascina, se entrega.

Muito a se viver, nessas imensas e pulsantes metrópoles. Se uma parte de mim tem nojo da impessoalidade, da melancolia cinzenta que permeia as vidas de tantos homens e mulheres imersos na correria do mundo moderno, a outra dança conforme a música, e sente-se relaxada em sua condição de engrenagem na máquina. Se uma parte de mim estremece ao olhar da janela tantas luzes, faces, cores e objetos que provavelmente nunca mais serão vistos pelos meus olhos, a outra acende mais um cigarro e conforma-se com a sua incapacidade de vivenciar tudo o que vê.

Se uma parte deste homem escreve poesia dura como o asfalto, ácida como o ar que respira nas manhãs chuvosas de Janeiro, a outra se deleita em elogios à sua vida urbanóide, à sua existência repleta de incertezas e surpresas diárias. Os becos, esquinas, bares e cantos sujos são palcos, palcos onde atuo como um menino cheio de anseios a revelar, como um poço de naturalidade e auto-satisfação. Mas quem disse que o sou? Se uma parte de mim é feliz, a outra é melancólica. Ambas, porém, vivem a mesma vida. Se uma parte de mim ama acordar cedo e correr doze horas à base de café e cigarros, a outra só queria passar um dia na cama do lado de um amor tolo, alimentando-se de conversa fiada, fast-food e sexo.

Mas eu preciso estar de pé, afinal. E, do “alto” de meus dezessete anos, olho para todo aquele mar de gente – que espreme-se nos metrôs e galerias e shoppings e corredores e calçadas – e fico pensando em quantos ali sabem aonde vivem. Imagino quantos ali são como eu, pensam nos dois lados da moeda, na dor e na delícia de viver na cidade grande, longe do tédio pastoril, do pseudocaipirismo-por-prazer (que, há tempos, só existe quando falta dinheiro para aqui manter-se) que aterroriza os engomados. Mas acho que, além de mim, só mesmo a cidade para me entender, em tamanho paradoxo de pensar assim. E esse é um segredo meu e dela, das palavras e do silêncio que ecoam insólitos nas avenidas.

Ninguém deveria venerá-la (ou odiá-la) sem antes conhecê-la enquanto um organismo quase-vivo, humanóide, cheio de defeitos, mas nem por isso menos fascinante e enigmático. Cabe a cada um descobrir o que amar e o que odiar em terrenos tão cheios de possibilidades. Há quem simplesmente venere as cidades. A cada dia, aprendo mais e mais com essa gente. Parafraseando um poeta aí: porque metade de mim é amor, e a outra metade também, eu te amo, Modernidade. Eu amo essa vida de cidadão esbaforido, cheio de coisas a fazer, pensar, fingir e, finalmente, vir-a-ser. E ela, a cidade, a vida urbana, me ama, mesmo que do jeitinho dela. Disso eu tenho certeza.

4 comentários:

Anônimo disse...

Eu não sei porque, mas eu consigo me ver nesse teu texto... acho que é porque eu me sinto assim também...

=D

Mto doido Gutinho... mto mesmo...

;*

Anônimo disse...

Gostei do seu texto.. muito bem escrito. Parabéns. As palavras certas na hora certa existem!rs

Marcelo Ribeiro disse...

é o que consome dentro de nós. Talvez a graça esteja em fazer do cinza matéria poética e deixar o concreto vir a ser, como seria, um poema...

Mayara Luma Maia Lobato disse...

não reclama, auguuuuustooo!! eu amo viver na cidade grande, longe dos insetos do campo, perto dos shoppings, dos fast-foods, dos restaurantes. AMOOO! e amei o texto, muito bem escrito!

te amo!