
- Meniiino, tu soubestes daquele moleque que deu o cu pra não ficar de PEC?
- Não... que merda...
- Literalmente!
- Hahahahahahahah...
O ônibus deu uma curva errada a oitenta por hora, acertando uns oito pedestres e fazendo um carro capotar duas vezes. E foi vidro e passageiro pra tudo quanto é lado.
Ao mesmo tempo, um grupinho de punks corria atrás de uns emos na saída do Habib´s. Esses conflitos de tribozinhos pré-adolescentes que toda pólis em ascenção tem. Estavam fazendo graça com a franja breada dos projetos de emotivos europeizados em plena Belém do Pará.
- Bando de viadinho!
- Vão dar o rabo, bando de fresco chorão!!!
Entre risos e cusparadas, expulsaram os meninos(as) da calçada. E eles não tinham por onde andar. Atravessaram a passarela pra se refugiar no shopping. Na mesma hora.
Dali duas esquinas, dava pra sentir o cheiro de cachaça e sêmen que exalava do motel – devidamente escondido atrás de um posto de gasolina. Um homem engomado, de uns quarenta anos, saía meio às pressas dum quartinho – onde dizia-se, um dos seres mais exóticos da cidade, uma mistura de homem, mulher e liquidação de sex-shop, vendia seu corpinho bizarro a preço de Diário do Pará. Falava ao celular.
- Não, eu já estou indo. Estava numa reunião, o Júnior tá vindo encontrar comigo e a gente compra as entradas, já... é, hoje estréia o Homem-Aranha, amor. Claro, a gente já vai ficar na fila... beijos, liga pra Mariana mais tarde, te am...
De novo, na mesma hora.
Dois amigos vinham se degladiando dentro de um carro, no caminho de volta pra casa. Um tinha flagrado o outro fumando maconha ou algo assim; às vezes, um pouco de dor de consciência faz bem à amizade. Entre ofensinhas e ameaças vãs, um dos dois lembra pro outro:
- E sabes com quem eu arrumei? Com aquela tua amiga que fala o cacete de tudo e todos, mas sai vendendo birra pela cidade... depois, não vem me dizer que sou eu o porra-louca que tu pensas! Olha pro teu umbigo, Mariana... tu tá grávida e nem sabe quem é o pai, porra!
E a Mariana olhou pros olhos vermelhos do amigo e se distraiu... mal teve tempo de frear, bichinha. De novo, na mesma hora.
Duas esquinas adiante, um menino meio delicado e magricela, carregando uns ingressos do Moviecom, atravessava a rua.
- How does it feel, to treat me like you do... – cantava uma música qualquer, transmitida de seu Ipod Nano. Realmente não sabia andar pela rua sozinho.
- Atravessa a rua com calma, e passa esse negócio aí – um cara do lado falou.
- O quê?!? – gritou, logicamente por não ter ouvido nada, absorto no seu fone de ouvido.
Bang-bang. A presuntada só não chamou atenção do povo porque, na mesma hora, um ônibus se estraçalhava na esquina, levando a carcaça do seu pai que o esperava pra entrar no Castanheira; de um bando de emos, que justo nessas horas não tinham força pra chorar; de dois amigos, prensados nas ferragens de um Corsa verde; e de um traveco em fim de carreira, que saiu correndo do quartinho, reclamando da nota de cinco reais falsa que o gentleman engomado lhe deu de pagamento. E os amigos do ônibus, intactos, abriram os olhos; pela primeira e última vez, não reclamaram do repertório musical do Cidade Nova 5, que entoava, meio que epicamente, em meio a um banho de cacos de vidro, gritos, tripas e fumaça:
“Os uniformes, os cartazes, cinemas e os lares, favelas, coberturas, quase todos os lugares.
E mais uma criança nasceu.
Não há mais mentiras nem verdades, aqui só há música urbana...”
(créditos à foto: Pollock, nº8)