quinta-feira, 22 de dezembro de 2005

Fuga do Teatro Dos Vampiros


"Vamos lá,tudo bem,eu só quero me divertir"...Renato ouvia seu xará cantar aquela frase,tão natural,lá do outro lado do seu quarto.As caixas de som estavam viradas para a parede,como se ele não quisesse ouvi-lo mais,como se quisesse apenas sentir as vibrações trazidas pela música,suaves,lhe dopar.Estava de saco cheio da vida;na verdade,tudo já era óbvio para ele,nada mais o divertia.Ao contrário da letra que ele ouvia,sua solidão e alienação eram espontâneas.Recebera treze ligações naquele dia.A ex-namorada,desesperada,fez cinco.As demais eram dos amigos e dos seus pais."Pessoas desocupadas!Não têm o que fazer?Deixem-me em paz!",exclamou Renato,atirando o telefone contra a parede,e enfiando goela abaixo outra dezena de pílulas.
A vida já tinha lhe dado surpresas demais,reviravoltas demais.Estava tonto de tanto ver o mundo girando à sua volta.Sentia-se um saco de esterco em meio a pepitas de ouro,empacado na sua vidinha linear,sendo pisado e obrigado a responder com um sorriso plastificado a todos.Farto de convenções,farto de ser mais um ator no tal Teatro dos Vampiros que o xará cantava.O aparelho de som tinha sido colocado no "repeat",bem alto,e a melodia até certo ponto feliz contrastava com a sala bagunçada na qual,há dias,tinha se trancafiado.As chaves?Estavam em algum lugar esgoto abaixo.Queria sossego,e o teria,pelo menos ali.
Alisou a seringa.O que teria lá dentro?Só sabe que aquele senhor lhe garantiu morte certa e não-dolorosa.Renato achou melhor aquilo do que tiros nos miolos ou overdoses alcoólicas.Queria ter uma morte "cult",daquelas que seriam capa de jornal e assunto de mesa de bar."Que ironia",repetiu para si mesmo o que pensou,"Vou morrer e ser estrela!".Estava dominado pelo que alguns chamariam de insanidade...para ele,parecia apenas um pouco de realismo aguçado.
Seus devaneios foram interrompidos pela gritaria lá fora.Ao que parecia,tinham o achado.Ouvia as vozes que menos queria ouvir,desesperadas,do outro lado daquela barreira de concreto que ia separá-lo,pela primeira vez,do amor e do carinho que fingia receber.
- Filho,não faça isso!Meu filho,seu pai vai ter um ataque cardíaco...Renato meu filho,por favor!
- Renatinho,não faz isso,cara!Você tá louco?Não faz isso,a gente tá aqui!Porque você tá se deixando levar,Renatinho?O que a gente fez?
- Amor...
Não!Aquela voz ele não queria ouvir!Não queria que ela,justo ela,se unisse a eles.Puxou a seringa e,com firmeza,cravou-a na pele pálida,que foi tornando-se rosada na região.A agulha ia ficando mais enterrada,e a visão embaçava...embaçava...ainda ouvia os gritos difusos,que agora mais pareciam sussurros,ecoarem na sala.E,no meio do transe final,a porta abriu com força,no que pareceu-lhe um arrombamento.Os cabelos,longos e lisos,cobriam um pouco da sua já escassa visão.Sorriu vagamente ao ver ela sentar-se ao seu lado,calma,e,num sussurro,dizer:
- Quase te enganei,né?...parabéns.Em breve te encontro,meu amor.
Deu-lhe um beijo e rendeu-se novamente ao Teatro,correndo para todos os lados e gritando por socorro.Fora o melhor adeus que ouvira em toda sua vida.
Renato voltou os olhos para cima,e viu,no seu último segundo de vida,os rostos espremidos de todos seus amigos e dos seus pais à sua volta,de olhos vermelhos e ainda berrando e sacudindo-o em vão.Deixou as mãos relaxarem,e caiu,enfim,num sono pacífico.Ainda ouvindo,à distância,os gritos ecoando pela sala repleta de ofuscante luz,o jovem ator deixou o palco.

José Augusto Mendes Lobato

22/12/05

Um comentário:

Luiz Mário Brotherhood disse...

cara tu viajou bonito
que devaneio!
aeuhaeuhae :D

esse ai nuuunca levou um pinto atrás hein?!
=x

[]'s