
"Vamos lá,tudo bem,eu só quero me divertir"...Renato ouvia seu xará cantar aquela frase,tão natural,lá do outro lado do seu quarto.As caixas de som estavam viradas para a parede,como se ele não quisesse ouvi-lo mais,como se quisesse apenas sentir as vibrações trazidas pela música,suaves,lhe dopar.Estava de saco cheio da vida;na verdade,tudo já era óbvio para ele,nada mais o divertia.Ao contrário da letra que ele ouvia,sua solidão e alienação eram espontâneas.Recebera treze ligações naquele dia.A ex-namorada,desesperada,fez cinco.As demais eram dos amigos e dos seus pais."Pessoas desocupadas!Não têm o que fazer?Deixem-me em paz!",exclamou Renato,atirando o telefone contra a parede,e enfiando goela abaixo outra dezena de pílulas.
A vida já tinha lhe dado surpresas demais,reviravoltas demais.Estava tonto de tanto ver o mundo girando à sua volta.Sentia-se um saco de esterco em meio a pepitas de ouro,empacado na sua vidinha linear,sendo pisado e obrigado a responder com um sorriso plastificado a todos.Farto de convenções,farto de ser mais um ator no tal Teatro dos Vampiros que o xará cantava.O aparelho de som tinha sido colocado no "repeat",bem alto,e a melodia até certo ponto feliz contrastava com a sala bagunçada na qual,há dias,tinha se trancafiado.As chaves?Estavam em algum lugar esgoto abaixo.Queria sossego,e o teria,pelo menos ali.
Alisou a seringa.O que teria lá dentro?Só sabe que aquele senhor lhe garantiu morte certa e não-dolorosa.Renato achou melhor aquilo do que tiros nos miolos ou overdoses alcoólicas.Queria ter uma morte "cult",daquelas que seriam capa de jornal e assunto de mesa de bar."Que ironia",repetiu para si mesmo o que pensou,"Vou morrer e ser estrela!".Estava dominado pelo que alguns chamariam de insanidade...para ele,parecia apenas um pouco de realismo aguçado.
Seus devaneios foram interrompidos pela gritaria lá fora.Ao que parecia,tinham o achado.Ouvia as vozes que menos queria ouvir,desesperadas,do outro lado daquela barreira de concreto que ia separá-lo,pela primeira vez,do amor e do carinho que fingia receber.
- Filho,não faça isso!Meu filho,seu pai vai ter um ataque cardíaco...Renato meu filho,por favor!
- Renatinho,não faz isso,cara!Você tá louco?Não faz isso,a gente tá aqui!Porque você tá se deixando levar,Renatinho?O que a gente fez?
- Amor...
Não!Aquela voz ele não queria ouvir!Não queria que ela,justo ela,se unisse a eles.Puxou a seringa e,com firmeza,cravou-a na pele pálida,que foi tornando-se rosada na região.A agulha ia ficando mais enterrada,e a visão embaçava...embaçava...ainda ouvia os gritos difusos,que agora mais pareciam sussurros,ecoarem na sala.E,no meio do transe final,a porta abriu com força,no que pareceu-lhe um arrombamento.Os cabelos,longos e lisos,cobriam um pouco da sua já escassa visão.Sorriu vagamente ao ver ela sentar-se ao seu lado,calma,e,num sussurro,dizer:
- Quase te enganei,né?...parabéns.Em breve te encontro,meu amor.
Deu-lhe um beijo e rendeu-se novamente ao Teatro,correndo para todos os lados e gritando por socorro.Fora o melhor adeus que ouvira em toda sua vida.
Renato voltou os olhos para cima,e viu,no seu último segundo de vida,os rostos espremidos de todos seus amigos e dos seus pais à sua volta,de olhos vermelhos e ainda berrando e sacudindo-o em vão.Deixou as mãos relaxarem,e caiu,enfim,num sono pacífico.Ainda ouvindo,à distância,os gritos ecoando pela sala repleta de ofuscante luz,o jovem ator deixou o palco.
José Augusto Mendes Lobato
22/12/05
Um comentário:
cara tu viajou bonito
que devaneio!
aeuhaeuhae :D
esse ai nuuunca levou um pinto atrás hein?!
=x
[]'s
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