quarta-feira, 14 de dezembro de 2005

A sala de jantar


Me acordei assustado,num recinto escuro e vazio.Ouvia os mesmos gritos lá fora.Caminhei em direção à mesma porta.Me deparei com a mesma sala de jantar.Me sentei à mesma mesa.Olhei para os mesmos olhos,disse as mesmas coisas para mim mesmo.E parecia,sim,reviver,a cada mísero segundo,momentos que,a mim,não mais pertenciam.Eram espólios do tempo,sombras do que agora era meu presente.Me beliscava disfarçadamente a cada minuto por debaixo da mesa,tentando achar algum sentido para o que estava acontecendo.Seria meu maior desejo em outras circunstâncias estar ali,mas o ambiente era pesado e extremamente surreal.
Um perfume adocicado e familiar pairava no ar,quente e denso.O chão estava frio,e meus pés sentiam uma brisa congelante por entre os dedos passar.Olhava nervoso para os lados.Tentava reconhecer alguém em meio à multidão,mas não consegui enxergar os rostos difusos e indistintos no salão.As pessoas ao meu redor,sorrindo descontraídamente,percebiam meu nervosismo,mas agiam com total indiferença,como se aquilo fosse normal,no caso,até eu me acostumar.A comida nos foi servida após o que me pareceu um turbilhão de DeJa Vus,e quando o barulho dos talheres começou a dominar o ambiente,comecei a sentir uma estranha dor de cabeça,que ia perfurando meus pensamentos e me deixando ali,inerte,sem a chance de desenvolvê-los.Algo me prendia ali.Não era minha imaginação,ou uma sensação passageira.Aquilo tudo parecia eterno.
Subitamente,em meio ao caos e às pessoas gritando,surge uma moça,alta e bela,trajando um suntuoso vestido vermelho.Sorria pelo canto da boca,aquele sorriso cínico de quem está ali a serviço,e seus olhos encontraram os meus com verocidade.As mãos dela deslizavam sobre a mesa,apalpando as taças de vinho e,cegamente,pegando uma delas.As luvas avermelhadas apontaram para mim,e,num raro momento,o silêncio imperou no recinto.A moça se dirigiu a mim,o sorriso se alargando no rosto alvo:
- Você é relativamente novo por aqui...não,tente não fazer barulho e tente não se perguntar por que está aqui,nem tente se dirigir aos outros convidados:assim como você,eles estão aqui,tragados neste mesmo espaço,saboreando a eternidade que,por mim,lhes é concedida.Sente de volta,meu senhor...não pergunte mais nada para si mesmo.
E foi embora da sala pela mesma porta em que entrei outrora,sorrindo e bebericando daquele vinho.Em poucos segundos,as vozes voltaram a ressoar no salão,como se nada tivesse acontecido.
Nem tive a chance de falar nada,me restou sentar-me novamente,e observar a sala,decorada com vitrais e lustres,ser lentamente ocupada por mais e mais pessoas que nunca tinha visto,e que,paradoxalmente,me eram familiares.A noite cobria os céus lá fora,e o pálido brilho da lua era refletido no salão fracamente iluminado por velas.Não era sonho.Levantei-me e caminhei em direção à mesma porta.Abri ela e me deparei com o que seria a realidade:um quarto,provavelmente o meu,estava ali,as luzes apagadas.No breu,porém,podia ver meu corpo estendido sobre a cama,uma faca cravada no peito e o olhar fixo no teto.Minha esposa,ao meu lado,sangrava suas últimas lágrimas e caía,inconsciente,ao meu lado.Gritei e antes que pudesse correr em direção a mim mesmo,uma grande ventania penetrou no salão,lá atrás.As velas se apagaram.Uma tempestade lá fora começou e os vitrais se estilhaçaram,cortando as pessoas,que continuavam a rir,e ensanguentando o piso de mármore.A lua,coberta por nuvens,cessou seu brilho e,com a cabeça sendo dilacerada pela dor excruciante,o perfume adocicado me cercando,penetrando no quarto em espirais e as gargalhadas histéricas ecoando no salão atrás de mim,mergulhei na escuridão.
Novamente,levantei,assustado e caminhei à porta.Abri ela e estava de volta ao salão.Sentei-me no mesmo lugar.Olhei para os mesmos olhos,disse as mesmas coisas para mim mesmo e parecia,sim,estar vivendo segundos que não mais me pertenciam,mas que a mim foram entregues.Um eterno DeJaVu se fazia realidade ali,com aqueles talheres se batendo e aquelas pessoas sentadas à mesa,rindo de si mesmas e conversando despreocupadamente assintos indistintos.E eu estava ali,preso a algo que não mais existe.Eram espólios do tempo,resquícios do meu passado que,agora,eram meu presente,meu passado...mas nunca,nunca mais,meu futuro.Estava preso,entre a morte e a vida.

José Augusto Mendes Lobato 14/12/05

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Nunca demorou tanto para que alguma coisa me viesse à cabeça.Tive medo de matar esse blog.
Perdão.

3 comentários:

Anônimo disse...

"...não,tente não fazer barulho e tente não se perguntar por que está aqui,nem tente se dirigir aos outros convidados:assim como você,eles estão aqui,tragados neste mesmo espaço,saboreando a eternidade que,por mim,lhes é concedida.Sente de volta,meu senhor...não pergunte mais nada para si mesmo."
Gostei de todo o texto,guto,mas esta parte em especial chamou minha atenção.Achei que se encaixa em tantas situações...
Beijo!!!

Luiz Mário Brotherhood disse...

égua da viagem
assim que é bom! =D

viagem literaria como tu falas uaehuaeh =D

ótimo gutovisk
posta mais nessa nereida

Emídio disse...

Muito bom!
Viajem mesmo!
Deja vu... pior q a gente tem essa impressão ao ler, pelo menos eu tive.
Pirante, parece sonhos desvairados.