segunda-feira, 19 de dezembro de 2005

Uma despedida formal à minha pessoa


E chega,enfim,a hora dos olhos se fecharem.Muito do que se lembrar?Sim.Muito o que esquecer?Também.E a mente,surrada e calejada,se entrega ao descanso dos sonhos.É merecido.O arrependimento ainda vem,em doses homeopáticas,me lembrando das coisas que minhas mãos largaram no caminho e das que,por entre meus dedos,escaparam.Nem mais preciso apegar-me à complexaida dos sentimentos e suas infinitas ramificações : o que sinto,agora que a noite já chegou e meu destino está a meio caminho confirmado,é a pura e simples tristeza.
Quem sabe precise esperar mais,para que,na hora certa,meu passo siga mais firme?Nem mesmo eu sei o que se passou nesse três anos em direção a um divisor de águas tão intenso.Sim,eu sofri pressões,eu pressionei a mim mesmo.Mesclei meus devaneios e curvas aos tão lineares traçados que,a mim,são impostos,e fiz de minha imaturidade álibi para queimar as pontes que meus pais contruíram com tanto carinho.Foram exatos dezesseis anos e dez meses até eu chegar aqui.A esta véspera.A esta noite,tão exata e igual às outras e,ao mesmo tempo,tão diferente.As horas dançam diante de meus olhos,como que me dizendo que,agora,nem adianta fechar os olhos cansados ; numa piscadela,a luz do sol já estará rasgando as cortinas.
Agora,me imagino sentado,às oito horas da manhã (ou seja,daqui a oito horas e quarenta minutos) ,olhando,atônito,para a tal prova.Testarei não apenas minhas habilidades com números e textos,mas também a minha capacidade de fazer jus a tudo que tenho.A minha capacidade de organizar minha vida.E,nisso,sei que ando sendo um completo fracassado.Foram-se anos regados a música,aos amores ditos eternos,às noites lisérgicas,às horas diante do espelho,aos amigos e,principalmente,à sorte,da qual abuso.A consequência de tudo estará ali,enfiada nas entrelinhas daquela questão impossível de Física.Parece surreal,mas não é.
Nossa,como meus olhos pesam agora.
(...)
Minha mãe esteve aqui no meu quarto.Ouviu música comigo e me deu um pouco de carinho.Deitou do meu lado,calada,como que sabendo que tinha algo a dizer para ela.Quebrei,então,o relativo silêncio das nossas vozes em meio à música que tocava.
- Mãe...
- Diz,meu filho.
- Perdão.
- O que?Por que “perdão”,Guto?
- Desculpa.Desculpa por tudo que me destes e não soube aproveitar.Desculpa
estar te preocupando durante todos esses anos.Queria poder voltar no tempo,ter
sido um menino mais sensato e responsável.Teria te livrado dessa dor,de já
saber que teu filho não vai passar numa universidade pública,antes mesmo dele
fazer a prova.Perdão também por cada vez que te menti,matando aulas ou
fingindo estudar.Perdão pelas bobagens que já te falei.E,principalmente,perdão
pelas horas de trabalho que viveste e que eu não irei recompensar...te amo.
Seu silêncio permaneceu.Ela me abraçou mais forte e continuamos a ouvir as
músicas.Senti que ela tremia um pouco ; talvez quisesse chorar e estivesse se segurando na minha frente.Mudei de assunto para tentar fazê-la esquecer do que tinha dito.Nem ela,nem o meu pai,mereciam sequer se lembrar do que estavam enxergando em mim,aquele quadro borrado que tinha tudo para ser uma obra de arte.
Os olhos pesam mais e mais,a caligrafia já está torta.A mente está me dando as costas,deve estar guardando as última sforças para amanhã.Eu nem sei se sou digno de descanso.Nem sei se sou digno do que conquistei até agora.Não sei se sou digno de pisar em um solo tão límpido com esses meus pés enlameados.
Nem mesmo sei se mereço a confiança deste papel no qual escrevo...talvez fosse melhor fazer um aviãozinho com ele e jogá-lo pela janela.Deixar meus medos assim,suspensos no ar,até caírem de vez em alguma vala e serem borrados pela sujeira.
Minha carapaça está frágil.Não posso mais fingir ter tamanha força.Dói chegar ao fim de uma fase da vida e ver que me esforcei muito pouco,e tarde demais,para transpô-la com dignidade.Mas,quem sabe,esse jovem receba mais um presente de Deus,uma chance de mudar de vez.O arrependimento cresce,e chegam o cúmulo do sono e os últimos centímetros da folha na qual escrevo.Despeço-me aqui de mim mesmo,deixando um paradoxalmente saudoso adeus ao garoto que fui.Minha redoma caiu,se despedaçou.Serei mais do que mais um,e menos do que prometo ser ao espelho.
Voa,meu pensamento,deixa-me para trás,deixa-me em paz,deixa-me a sorrir.
Chega,enfim,a hora dos olhos piscarem.

José Augusto Mendes Lobato 18/12/05

2 comentários:

Luiz Mário Brotherhood disse...

ei guto...
TE MATA!

é impressionante como as pessoas que se matam de estudar ficam nervosas, achando que é o fim do mundo.
enquanto os vagabundos não tão nem aí.

no final, quem estuda passa.

Anônimo disse...

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